• Opinião

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    JERSON KELMAN

    Saneamento, mitos e fatos

    31/01/2017 02h00

    O biólogo João Paulo Capobianco apresentou neste mesmo espaço interessantes questões sobre a Sabesp que merecem esclarecimentos ("Bem empresarial, mal coletivo, 27/1).

    Começando pelos pontos em que concordamos, é abominável a postura daqueles que poderiam conectar os seus imóveis à rede coletora de esgoto, mas não o fazem porque não têm a mínima consideração pelo mal que causam aos vizinhos.

    Também concordamos que, "infelizmente, por mais que esses cidadãos estejam agindo de forma condenável e mereçam punição, estão longe de ser os maiores culpados pelo problema da contaminação por esgoto em São Paulo".

    Não há nenhuma passagem em meu artigo, também publicado neste espaço ("Bem individual, mal coletivo, 12/1), que sugira essa relação de causa e efeito. Como bem apontado por Capobianco, ainda há parte relevante dos sistemas de esgotamento sanitário da região metropolitana de São Paulo a ser implantada, sem a qual nossos rios não serão limpos.

    Na realidade, há ainda um outro problema: o lixo não recolhido e carreado para os rios pelas chuvas intensas. Mas vamos nos ater às responsabilidades da Sabesp.

    É verdade, como aponta Capobianco, que a Sabesp "já é de longe a maior arrecadadora do país entre todas as que atuam no setor", mas não é verdade que "parece não sobrar recursos para fazer o que deveria: promover o bem coletivo".

    Na realidade, é exatamente o contrário: no limite máximo permitido pela lei, o lucro anual da empresa é sistematicamente reaplicado, tanto em sistemas de fornecimento de água quanto de afastamento e tratamento de esgoto.

    Graças a essa política, a Sabesp é, de longe, a empresa que mais constrói infraestrutura de saneamento no Brasil. O investimento anual per capita da companhia é o dobro da média de todos os demais serviços de saneamento do país.

    Isso sem receber um único centavo de subsídio governamental, ao contrário do que ocorre com quase todas as demais entidades congêneres -e com tarifas que estão entre as mais baixas do país.

    Com esses comentários, demonstra-se que é equivocada a tese central do artigo de Capobianco, sintetizada no próprio título, de que a Sabesp priorizaria os interesses corporativos -portanto dos acionistas - sobre os interesses da população.

    Aliás, na maioria dos 366 municípios servidos pela Sabesp, praticamente todos os domicílios são servidos com água potável e se conectam à rede coletora de esgoto. E todo esgoto é tratado.

    Contudo, sabemos que essa não é a situação na região metropolitana de São Paulo e no litoral, onde as condições para a implantação e funcionamento do saneamento são muito difíceis, principalmente devido à desordem urbana. Resta mostrar como poderíamos avançar mais celeremente em direção a um patamar civilizatório mais elevado.

    Existem apenas duas fontes capazes de pagar o custo de implantação e posterior operação das novas instalações que se fazem necessárias para coleta e tratamento de esgoto que ainda poluem os rios: os consumidores, que pagam contas de água, e os contribuintes, que pagam impostos. Em quase todos os países do primeiro mundo, o progresso ocorreu graças à combinação dos dois fatores.

    No entanto, no Brasil de hoje, em plena crise fiscal, é irrealista admitir que parcela significativa possa vir dos contribuintes, pelo menos no curto prazo.

    Portanto, sobrou para o consumidor. A sociedade brasileira precisa discutir a respeito das tarifas de água, que por aqui são baixas se comparadas com a média dos países desenvolvidos. A realidade é que os brasileiros pagam pelo serviço que recebem, ainda incompleto, e não pelo o que gostariam de receber.

    Para sanar a dúvida, basta comparar a conta de água de um paulistano com a de, por exemplo, um parisiense ou londrino, para o mesmo consumo.

    Quanto mais a sociedade apresentar capacidade e disposição em pagar por instalações capazes de propiciar melhores serviços e, naturalmente, cobrar pelos respectivos resultados, mais celeremente avançaremos no processo civilizatório.

    JERSON KELMAN, engenheiro civil, é presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo)

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