• Opinião

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    ADRIANA ERTHAL ABDENUR, MARIA BEATRIZ BONNA NOGUEIRA e MAIARA FOLLY

    É legítimo barrar a imigração em nome da segurança e do desenvolvimento econômico? NÃO

    04/02/2017 02h00

    PERCEPÇÃO EQUIVOCADA

    A decisão dos EUA de suspender a entrada de refugiados e imigrantes de sete países de população majoritariamente muçulmana poderá agravar a pior crise de deslocamento forçado desde a Segunda Guerra.

    Além de violar uma série de tratados internacionais, a medida alimenta a percepção equivocada de que a imigração representa ameaça à segurança nacional e ao desenvolvimento econômico de um país.

    Vários estudos indicam que imigrantes não apenas contribuem para prosperidade econômica como são menos propensos a cometer crimes do que cidadãos nacionais.

    Essa abordagem populista, que exagera os aspectos negativos e omite as oportunidades desencadeadas por fluxos migratórios, não se restringe aos EUA.

    A retórica antiglobalização foi decisiva, por exemplo, para o fortalecimento da extrema direita no mundo e para a aprovação do "brexit". Em outros países europeus, a adoção de leis restritivas e o fechamento de fronteiras tornam dramática a situação de refugiados e imigrantes.

    A preocupação excessiva com segurança está atrelada à percepção de o imigrante ser uma ameaça à identidade cultural, linguística e religiosa. Essa ideia resulta, muitas vezes, da propagação de estereótipos e da superestimação das populações estrangeiras.

    Muitos americanos acreditam, por exemplo, que 17% da população de seu país é muçulmana, quando a proporção real é de 1%. A maioria dos ataques terroristas perpetrados no país desde o 11 de Setembro não teve participação de imigrantes em situação irregular.

    Em contrapartida, outros países valorizam a diversidade gerada pela imigração. Alguns, como Canadá e Alemanha, orgulham-se de receber imigrantes e refugiados. Valorizam o acolhimento não apenas por imperativos morais mas também por enxergarem na diversidade uma possibilidade de crescimento econômico.

    A chegada de novos cidadãos ajuda a reverter o quadro de envelhecimento populacional e de declínio das faixas economicamente ativas.

    Apesar dos impactos positivos, a opinião pública de muitos países sustenta que a imigração leva à redução dos salários dos locais e ao aumento do desemprego. No entanto, estudos demonstram que imigrantes aportam mais impostos e contribuições sociais do que recebem em benefícios governamentais.

    De mesma forma, eles aumentam a oferta de emprego ao longo do tempo. Refugiados, mesmo necessitando de apoio inicial para integração e reabilitação, igualmente constituem fonte valiosa de ideias e práticas inovadoras. Não é à toa que os seis americanos vencedores do prêmio Nobel de 2016 são imigrantes. O físico alemão Albert Einstein era refugiado.

    Apesar de sua longa história de imigração, o Brasil acolhe apenas 8.863 refugiados reconhecidos. Em 2015, cerca de 117 mil imigrantes entraram no país. Esse número não representa sequer 0,06% de uma população de mais de 206 milhões.

    Em um contexto mundial em que o populismo ganha força, o Brasil deve aprovar modelo de acolhimento que emule o tipo de recepção que se deseja a imigrantes brasileiros.

    Deve ainda honrar suas credenciais de liderança regional na recepção de refugiados, apresentando um programa de reassentamento mais amplo e estruturado.

    Dessa forma, poderá não apenas usufruir dos benefícios da migração mas também fortalecer a defesa de princípios internacionais cada vez mais ameaçados, como o direito ao refúgio e a liberdade de ir e vir.

    ADRIANA ERTHAL ABDENUR, especialista em geopolítica e relações internacionais, é pesquisadora do Instituto Igarapé, dedicado às agendas da segurança, justiça e do desenvolvimento

    MARIA BEATRIZ BONNA NOGUEIRA é pesquisadora do Instituto Igarapé. Foi Coordenadora-Geral de Assuntos para Refugiados do Ministério da Justiça (governos Dilma e Temer)

    MAIARA FOLLY, graduada em Relações Internacionais pela PUC-Rio, é pesquisadora do Instituto Igarapé

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