GOVERNO QUER AMPLIAR A MISÉRIA
Não se deve perder de vista que a Previdência Social no Brasil tem um papel fundamental no combate à miséria. Trata-se de um dos maiores e melhores programas de distribuição de renda do mundo, apesar de ser muito mal administrado, uma verdadeira caixa-preta.
Sendo implantada a idade mínima de 65 anos para aposentadoria, os jovens, os pobres e as mulheres serão os mais prejudicados, ampliando ainda mais a desigualdade social de nosso país.
E há mais. O açodamento com que se conduz esse debate -com intensa propaganda do governo, de forma a difundir a ideia de que sem a reforma não haverá aposentadoria no futuro- assusta e deixa a população em polvorosa.
A pressa não permite o amplo debate de uma questão central na vida dos brasileiros. A criação de barreiras de acesso aos benefícios lançará famílias, idosos e deficientes à própria sorte.
Não resta dúvida de que as mudanças demográficas precisam ser acompanhadas com muito cuidado. Estudos a que temos acesso mostram que o envelhecimento da população impactará significativamente a Previdência apenas a partir de 2027.
Embora a expectativa de vida dos brasileiros seja de 75 anos, na média, segundo o IBGE, os Estados do Nordeste -especialmente Maranhão, Piauí e Alagoas- ficam abaixo disso, por volta dos 68 anos.
Ora, se for implantada a idade mínima de 65 anos, ninguém irá se aposentar nessa região. Morrerão todos no batente-o que é, no mínimo, uma crueldade com os trabalhadores.
Quero chamar a atenção para um problema muito sério. Na Europa, sobretudo na França, a inserção no mercado de trabalho começa, na média, aos 24,5 anos, depois, portanto, de concluída a faculdade e escolhida a profissão.
Aqui no Brasil, um país ainda muito pobre, apesar de sermos a décima economia do mundo, as pessoas já trabalham a partir dos 16 anos, sem ter tempo para estudar.
O primeiro passo para a reforma da Previdência Social é a implantação de uma nova gestão no sistema, democrática e transparente, com diálogo entre trabalhadores, empresários, Congresso e governo.
Outra medida importante e necessária é a instituição de um orçamento próprio da Previdência Social, como determina a Constituição de 1988, com a criação de dois fundos: o do Regime Geral da Previdência Social e o do Conselho de Gestão Fiscal.
Em outubro do ano passado, escrevi um artigo para esta Folha com o título "O falso deficit previdenciário". Nele eu afirmava que as desonerações, mecanismo que beneficia vários setores empresariais, foram uma das causas do enfraquecimento da Previdência.
Além dela, contribuíram nesse sentido a falta de cobrança da dívida ativa do sistema, no valor de R$ 374,9 bilhões, e o pouco controle sobre os bens da Previdência, como milhares de imóveis e outros tipos de propriedade espalhados pelo Brasil.
Pensei que os meus argumentos seriam demolidos rapidamente em artigos de renomados especialistas ou de técnicos do governo. Ninguém, no entanto, manifestou-se. Essa discussão da reforma já se prolonga há muito tempo, e os números corretos e transparentes do sistema ainda não vieram a público.
Em dia 21 de fevereiro deste ano estive na Comissão Especial da Previdência, na Câmara, e percebi que muitas dúvidas existem também entre os deputados.
Todo o barulho a respeito da idade mínima de 65 anos deixa claro que o governo quer reduzir as próprias despesas, limitando a seguridade social. Além de ser um crime contra a sociedade, isso ampliará a desigualdade social.
RICARDO PATAH, formado em direito e administração, é presidente nacional da UGT (União Geral dos Trabalhadores)
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