• Opinião

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    Alberto Zacharias Toron

    Linchamento popular e julgamento judicial

    02/04/2017 02h00

    O juiz federal Marcelo Bretas, considerado por muitos ainda mais rigoroso que Sergio Moro, concedeu à advogada Adriana Ancelmo o direito de ficar presa em regime domiciliar nos termos da recente lei nº 13.257, de 2016.

    O Ministério Público Federal não concordou e, além de recorrer, impetrou mandado de segurança para conseguir o que a lei não lhe dá, isto é, efeito suspensivo ao recurso para mantê-la presa em Bangu.

    O desembargador federal Abel Gomes entendeu que Adriana não poderia ir para a sua casa, pois "em regra não se concede prisão domiciliar automaticamente às diversas mulheres presas e acusadas pelos mais diferentes crimes, apenas porque tenham filhos menores de até 12 anos de idade".

    Assim, para evitar que a mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral pudesse "vir a ser solta e presa novamente caso o recurso do MPF seja provido posteriormente", não a deixou ir para casa.

    Desconsiderando que a lei é nova e, portanto, ainda de pouca aplicação, o fato é que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e outros tribunais do país têm concedido o direito de mães ficarem com seus filhos em casa em casos até mais graves que o de Adriana Ancelmo.

    Isso vem ocorrendo, por exemplo, em crimes de tráfico de drogas e até extorsão mediante sequestro, tortura e outros.

    O ponto, porém, é que o STJ e o STF (Supremo Tribunal Federal), de longa data, firmaram o entendimento de que o mandado de segurança não pode ser utilizado como um habeas corpus às avessas, isto é, para mandar prender dando efeito suspensivo a recurso do MPF sem previsão legal.

    Daí porque a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do STJ, cassou a decisão ilegal do desembargador e restabeleceu a do juiz Bretas.

    Era, do ponto de vista do direito, uma questão tranquila e puramente técnica. Mas foi o bastante para a ministra ser xingada pelas redes sociais, com afirmações ofensivas e inverídicas como a de que era "especialista em conceder liminar em habeas corpus para soltar criminosos".

    Carlos Heitor Cony já disse que a internet está se tornando uma espécie de porta de banheiro público onde as pessoas escrevem o que querem. Umberto Eco, mais incisivo, afirmou que as mídias sociais dão voz a uma legião de imbecis. Infelizmente, é verdade. Imperam a irresponsabilidade e a covardia do anonimato.

    A prevalecerem comentários que achincalham os juízes apenas por terem aplicado a lei, reconhecendo direitos a acusados estigmatizados por crimes que ainda estão sendo apurados, vamos chegar ao ponto em que o magistrado só será legitimado ou homenageado quando mandar o réu para a cadeia, ainda que cometendo uma ilegalidade.

    Para isso não precisaremos mais de juízes ou mesmo de tribunais. Basta a Rota na rua ou os policiais militares que, recentemente, executaram dois suspeitos na cidade do Rio de Janeiro.

    Convenha-se que a reconstrução da democracia não deve tolerar soluções que se afinam com a barbárie. Ao contrário, o combate à criminalidade deve ser feito com respeito à legalidade.

    Justiça sumária, linchamentos e outras soluções alternativas só fortalecem a prepotência e são, obviamente, a antítese da própria ideia de justiça.

    Por fim, a ministra Maria Thereza, o desembargador Abel Gomes e o juiz Marcelo Bretas merecem respeito pelas suas decisões, ainda que delas não gostemos.

    O papel contra-majoritário do Judiciário aviva o que de mais caro temos na democracia: o respeito a direitos e garantias individuais.

    ALBERTO ZACHARIAS TORON é advogado e doutor em direito pela USP. Foi ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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