• Opinião

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    LUIZ ALBERTO HANNS

    A corrupção não é o nosso maior mal

    12/04/2017 02h00

    Não é fácil argumentar a favor do título acima quando revelações cada vez mais estarrecedoras nos conscientizam da corrupção sistêmica que impregna o país. Mas não percamos a lucidez.

    No Brasil, temos de enfrentar três temíveis inimigos internos, e destes os corruptos não são os mais danosos. Talvez você não concorde com o ranking abaixo, mas espero que não discorde da conclusão deste artigo.

    Quem são os inimigos mais nocivos? Os gestores despreparados, que planejam mal, executam mal e não aprendem. Como mostram os escândalos da Lava Jato e da Copa do Mundo, ineficiências custam muito mais do que os valores roubados.

    Na Alemanha e no Japão, o planejamento de obras consome quase 50% do tempo; no Brasil, no máximo 20%. Daí improvisamos, temos retrabalho e tudo sai mais caro.

    Além disso, maus gestores são negligentes, não acompanham processos e atuam descoordenadamente. O despreparo custa bilhões em dinheiro, milhões de horas de trabalho e milhares de vidas. O cotidiano vira um inferno.

    Mesmos alguns países com alto grau de corrupção conseguiram combater a ineficiência com soluções gerenciais e políticas. As bem-sucedidas experiências do consultor Vicente Falconi, assessorando governos e prefeituras Brasil afora (alguns comprovadamente corruptos), confirmam esse fato. Crenças de gestão podem ser mudadas em qualquer país.

    Em segundo lugar no ranking de periculosidade estão os implacáveis burocratas. Para eles, mais vale controlar do que deixar o sistema fluir. O que dizem ser "só um procedimento simples" se soma a centenas de outros procedimentos, que consomem tempo, esforço e dinheiro.

    Como mostra estudo do Banco Mundial, empresas brasileiras gastam 15 vezes mais tempo do que as da União Europeia em procedimentos. É a cultura da desconfiança e do controle total. A gestão moderna, no sentido oposto, pede controles por amostragem, uma forma de reduzir os custos financeiros e emocionais.

    Burocratismo acarreta corrupção, uma vez que muitos funcionários ameaçam aplicar regras irracionais ou pedem suborno para facilitar trâmites, levando cidadãos e empresas a pagarem suborno. Além das dez medidas contra a corrupção, ainda em debate no Congresso, precisamos de dez medidas antiburocracia.

    E os mais odiáveis de nossos inimigos, os corruptos? Além de roubarem recursos essenciais da saúde, educação e infraestrutura, geram ainda ineficiência. O esquema é mais do que conhecido: projetos bilionários do qual participam resultam em obras inúteis ou inacabadas.

    Como se vê, os três inimigos formam uma grande quadrilha -são garantia de subdesenvolvimento.

    Se continuarmos com a crença de que nosso maior mal são os corruptos, e não a quadrilha, talvez nos tornemos um pouco menos desonestos, mas a incompetência e a burocracia permanecerão inalteradas.

    LUIZ ALBERTO HANNS, doutor em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é autor dos livros "A Equação do Casamento" e "A Arte de Dar Limites"

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