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    VITÓRIA RAMOS

    Chagas, doença invisível

    13/04/2017 02h00

    Aos 39 anos, Nancy Costa teve um AVC que deixou sequelas, comprometendo o lado direito do seu corpo. Em seguida, ela descobriu um aneurisma no coração.

    Depois de duas semanas angustiantes de investigação sobre a causa dos problemas, uma médica perguntou a Nancy sua cidade de origem. Quando ela informou que veio do interior de Minas Gerais, a médica pediu um exame para pesquisar a doença de Chagas. O resultado deu positivo.

    Histórias como a de Nancy, que hoje dirige a Associação Rio Chagas, voltada a pessoas afetadas pela doença, são uma recorrência trágica. Um diagnóstico oportuno seguido de tratamento precoce poderia ter evitado o AVC e a cardiopatia, mas geralmente a pessoa que tem a enfermidade descobre sua condição muitos anos e até décadas depois da infecção, quando já existem danos mais graves à saúde.

    Nesta sexta (14) celebra-se o Dia Mundial de Combate à Doença de Chagas. Pessoas como Nancy estarão mais uma vez reunidas, clamando pelo fim de uma situação bem retratada no fato de que 8 entre 10 infectados não têm acesso a diagnóstico e tratamento.

    A negligência é tanta, no Brasil e no mundo, que os dados são baseados em estimativas: no Brasil, seriam de 1,9 a 4,6 milhões de pessoas infectadas; no mundo, 8 milhões.

    A doença de Chagas é silenciosa. Na fase aguda inicial, a maioria dos casos é assintomática. Mas, na fase crônica, de 30% a 40% dos infectados terão algum tipo de dano cardíaco ou no sistema digestivo.

    O Brasil teve avanços no controle do inseto transmissor, conhecido popularmente como barbeiro. Todavia, além do contato direto com fezes do inseto infectado, existem outras formas de contágio relevantes: a ingestão de alimentos contaminados com essas fezes, a transmissão por transfusão de sangue, o transplante de órgãos e a transmissão congênita.

    Para que a negligência seja superada, é preciso que o diagnóstico e o tratamento sejam incorporados na atenção básica de saúde e estejam acessíveis. Muitas vezes os profissionais da área não suspeitam da infecção porque não existem normativas que orientem sobre as condutas a serem seguidas.

    Além disso, é necessário que o tratamento de pacientes em todas as fases da doença se torne uma realidade, seguindo a recomendação da Organização Mundial da Saúde.

    Ainda hoje, entretanto, a notificação ao Ministério da Saúde é obrigatória somente para os casos na fase aguda. Falta a aprovação de um protocolo clínico e de diretrizes terapêuticas para doença de Chagas -o documento está em elaboração pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).

    A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) prestou assistência a pacientes afetados pela doença de Chagas em países como Nicarágua, Guatemala, Colômbia, Bolívia e Itália.

    Entre 1999 e 2016, ofereceu diagnóstico a mais de 117 mil pessoas, das quais 11 mil apresentaram a doença e cerca de 9.000 receberam os devidos cuidados. Mesmo não sendo ideal, o tratamento obteve bons resultados, chegando a taxas de cura superiores a 90% em pacientes na fase crônica na América Central.

    As pessoas afetadas pela doença de Chagas não podem continuar abandonadas pelo poder público. Precisam de atenção e tratamento -uma mudança que exigirá políticas e protocolos claros.

    VITÓRIA RAMOS, formada em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, é assessora de relações institucionais do Médicos Sem Fronteiras Brasil

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