• Opinião

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    Gustavo Rosa Gameiro

    Médicos deveriam viajar mais de avião

    21/04/2017 02h00

    O dia 7 de abril, aniversário de criação da Organização Mundial da Saúde, foi dedicado ao tema da depressão. Os números assustam: mais de 320 milhões de pessoas sofrem com a doença em todo o mundo. O Brasil é campeão em prevalência na América Latina. O suicídio caminha junto a tal condição.

    Recentemente, os olhares se voltaram mais uma vez à saúde mental, particularmente a dos estudantes de medicina. Segundo pesquisas, 1 em cada 4 alunos desse curso possui sintomas depressivos ou a própria doença, incidência 4 a 5 vezes maior que a verificada na média da população para essa idade.

    Com um olhar mais atento, não obstante, percebemos que o problema não é novo. O "New England Journal of Medicine", ainda no mês passado, relatou o caso de Kathryn, aluna do quarto ano de medicina da Universidade de Mount Sinai, em Nova York, que se matou pulando da janela de seu apartamento.

    Além disso, já no final de 2016, a IFMSA, organização estudantil presente no mundo inteiro, lançou uma campanha sobre o tema.

    Pesquisa realizada no Reino Unido alerta que 1 em cada 7 estudantes de medicina já pensou em cometer suicídio. No Brasil, em setembro de 2014, a "Revista de Medicina", editada na USP, lançou uma edição especial acerca dos problemas de saúde mental dos alunos do curso.

    O tema vem sendo abordado sistematicamente em vários periódicos científicos. Apesar disso, percebe-se que o problema aumentou nos últimos anos.

    A imprensa noticiou recentemente uma série de tentativas de suicídio entre alunos do quarto ano de medicina da USP.

    A graduação médica não é fácil. Também já tive meus momentos de crise. A cobrança é constante, tanto do aluno quanto da própria universidade. Lidamos com vidas, o bem maior, vemos o sofrimento humano e estabelecemos relações de cuidar que esculpem o ser.

    Seria ingenuidade querer apontar um único culpado pela situação. Há uma predisposição, cientificamente comprovada, a problemas de saúde mental em Faculdades de Medicina. A USP não é diferente. O silêncio é o grande inimigo.

    Num primeiro momento, faz-se necessário desconstruir todo estigma instaurado em relação a esses casos, sobretudo para quem atende do outro lado da mesa do consultório. Profissionais da saúde não estão imunes a doenças e também precisam de ajuda, como qualquer outro ser humano.

    Como as aeromoças sempre reiteram, em caso de despressurização, "coloque a máscara primeiro em você e depois na pessoa ao seu lado". Médicos deveriam viajar mais de avião.

    Inúmeros fatores influenciam a decisão desesperada de pôr fim à própria vida. A vida universitária é apenas um coeficiente que excitou os casos nos alunos de medicina.

    Óbvio que inúmeras ações devem ser tomadas nas universidades. A criação de espaços de diálogo é de vital importância, embora insuficiente para minimizar o problema.

    Na verdade, não há qualquer "emplasto Brás Cubas" capaz de resolver a situação. Enquanto depressão e suicídio forem tratados de forma pueril, superficial, com medidas incipientes, veremos mais Kathryns nas manchetes de jornais.

    A despeito das turbulências, o voo continua. #EstamosJuntos, conforme nos expressamos no porão do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, mesmo em caso de pouso forçado.

    GUSTAVO ROSA GAMEIRO é é estudante do quarto ano da Faculdade de Medicina da USP e editor sênior da "Revista de Medicina" do Departamento Científico da USP

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