• Opinião

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    VLADIMIR KUHL TELES

    Governo cedeu demais na reforma da Previdência? SIM

    22/04/2017 02h00

    FUTURO COMPROMETIDO

    Uma reforma da Previdência sustentável é condição necessária para a retomada do crescimento econômico brasileiro.

    A literatura econômica deixa claro que o resultado previdenciário é um dos fatores que determinam o crescimento. Assim, há um processo de retroalimentação.

    Uma Previdência insustentável como a nossa tende a produzir baixo crescimento, o que aumenta ainda mais o deficit do país.

    Há vários canais pelos quais o sistema previdenciário afeta a economia. O mais direto é via o desequilíbrio fiscal. A trajetória de deficits explosivos acarreta três situações:

    1) Uma redução da quantidade de recursos disponíveis para o governo gastar em investimentos produtivos, como infraestrutura, saúde e educação. Consequentemente, a produtividade da economia tende a cair.

    2) Uma pressão para cima sobre a carga tributária, reduzindo também os investimentos do setor privado.

    3) Um crescimento contínuo da dívida pública, que acaba por transferir poupança da economia para financiamento da dívida.

    Além disso, a Previdência tem impactos indiretos, e de magnitude relevante, sobre o comportamento das pessoas. Quando a idade para se aposentar aumenta, o trabalhador tende a investir mais em sua educação pessoal, pois dependerá mais tempo da renda de seu trabalho. Esse investimento em educação aumenta substancialmente a produtividade da economia no longo prazo.

    No mesmo sentido, com um subsídio menor do governo, o cidadão é estimulado a poupar mais, o que beneficia a economia como um todo.

    A reforma também é fundamental para garantir uma redistribuição sustentável de renda. Gastar mais com Previdência significa gastar menos com educação, que é justamente a base para se conquistar maior igualdade de oportunidades.

    Mas a reforma da Previdência precisa ser tão radical? Ao ceder -reduzindo a idade mínima para aposentadoria, permitindo que o funcionalismo estadual e municipal não siga as mesmas regras e que algumas classes de trabalhadores se aposentem antes-, o governo compromete seu resultado? A resposta é sim.

    Um estudo realizado por diversos pesquisadores da Fundação Getulio Vargas, da USP e do Insper, divulgado nesta semana, evidencia a real complexidade do problema.

    Ainda que a proposta original da reforma feita pelo governo fosse aprovada, seria necessário um crescimento anual da produtividade de mais de 2% ao ano nos próximos 40 anos para que as contas da Previdência se equilibrassem.

    Ou seja, se mesmo as regras pretendidas inicialmente são insuficientes para reduzir o deficit, imagine-se então o que resultará das concessões feitas pelo Planalto.

    O cenário será drástico: em alguns anos precisaremos fazer uma reforma ainda mais radical, uma vez que quanto mais procrastinamos, maior será o rombo, e maior será a necessidade de ajuste.

    A questão da Previdência é como uma perna com fratura exposta. Dói muito para colocar no lugar. No entanto, caso não o façamos completamente, a economia será incapaz de se equilibrar e andar na velocidade que o país precisa para resolver suas questões mais básicas.

    VLADIMIR KUHL TELES, pós-doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), é vice-diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

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