• Opinião

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    LUIS MANUEL FONSECA PIRES e SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA

    Participação democrática

    12/05/2017 02h00

    Há um século, democracia no Brasil significava permitir aos homens alfabetizados e com alguma renda o direito de votar.

    Mulheres, analfabetos e quem não detivesse uma renda mínima estavam excluídos. Para a época, era o bastante para definir a democracia. No entanto, os signos sofrem mutações de sentidos ao longo do tempo -e foi o que ocorreu com este signo jurídico-político, "democracia".

    Mas o Estado brasileiro resiste. Ergue um muro entre si e a sociedade. Não quer abdicar da exclusividade de sua potência de dizer, sem ouvir e dialogar com sinceridade, os rumos da vida política.

    Uma prerrogativa constituída na qual o Estado isola-se, mas o que anuncia continua a ser imperativo ao povo, suposta fonte da soberania e origem do poder. Vez por outra o Estado faz de conta que ouve e reflete, mas o som que chega do outro lado do muro são sussurros inaudíveis.

    Exemplo dessa dificuldade é o modo como trata os movimentos sociais que surgiram a partir de junho de 2013. Manifestações em espaços públicos são desafios que se apresentam e mostram a necessidade de compreender que não se pode mais continuar a desqualificar o cidadão.

    No atual cenário, ele deixa de sê-lo para tornar-se, por pecha lançada pelo Estado, um "subversivo", "invasor", ou outros rótulos que escamoteiam, fragilmente, o deliberado propósito do Estado de continuar a reservar para si o privilégio de expor os únicos sentidos possíveis de "participação democrática". Uma captura da cidadania pelo direito e pela política.

    Sociedades marcadas por fortes distinções sociais, como é o caso do Brasil, precisam expandir os significados legítimos da participação democrática para além das hipóteses textualmente apontadas na Constituição Federal.

    A democracia frustra-se ao não alcançar latitudes que reconheçam à sociedade a possibilidade de fazer-se presente e ser (realmente) ouvida, não submetida a interpretações restritivas proclamadas pelo Estado.

    Os Estados da América Latina, ao menos em sua maioria, não se submetem mais ao risco de se constituírem ditatorialmente por militares, agentes fardados, em explícita força bruta.

    O totalitarismo que nos ronda, e devemos atentar a esse fato, é mais sutil, pois se elabora por discursos jurídicos e práticas políticas, atos oficiais pelos quais o Estado comete violências físicas e psíquicas sob rótulos que declaram o seu contrário -sufoca-se a democracia ao argumento de que se quer preservá-la.

    O Estado brasileiro adia a sua realização constitucional. Os potenciais semânticos do signo "democracia" reclamam espaço e respeito à participação popular.

    É fundamental reconhecer o dever do Estado de efetivamente dialogar com a sociedade em seus diversos segmentos, dispor-se a compreender as suas expectativas que contribuem para densificar os sentidos dos direitos e os rumos das políticas públicas, condição à legitimidade do poder. Muito além, portanto, de votar, em silêncio e bem comportado, a cada quatro anos.

    LUIS MANUEL FONSECA PIRES, professor de direito administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é juiz de direito em São Paulo

    SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA, professor de direito civil e direito administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é juiz federal em São Paulo

    PARTICIPAÇÃO

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