A cada quatro anos e meio, todo Estado-membro da ONU deve prestar contas aos seus pares sobre o que tem feito para melhorar a situação dos direitos humanos e receber sugestões de melhorias.
Criada em 2008, a RPU (Revisão Periódica Universal), pela qual o Brasil passou, no último dia 5, pela terceira vez, é um compromisso político mas também um dos principais instrumentos de avaliação dos esforços de cada país no âmbito dos direitos humanos.
Esse mecanismo abre uma janela de oportunidade para a sociedade civil contrapor a narrativa oficial. Neste último ciclo da RPU, vimos como o governo está descolado da realidade.
Um bom exemplo é a questão indígena. Quem escutou a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, dizer que "o governo brasileiro concorda plenamente com a necessidade se cumprir o que preconiza a Constituição Federal em relação ao regime de demarcação de terras indígenas", ficaria na dúvida sobre qual país ela representava.
Seu discurso contrastou com a coletiva de imprensa convocada no mesmo dia pelo presidente exonerado da Funai (Fundação Nacional do Índio), Antonio Fernandes Costa, que denunciou a ingerência política no órgão por parte de líderes ruralistas, declaradamente inimigos da causa indígena.
Foi graças à mobilização da sociedade civil que 9 dos 53 relatórios enviados à ONU para a RPU do Brasil trataram da situação dos povos indígenas, do meio ambiente e da violência no campo. O resultado foi uma forte sensibilização internacional aos temas, com pelo menos 34 recomendações vindas dos Estados acerca da questão dos índios.
Como já esperado, a segurança pública foi alvo de fortes críticas. A Alemanha ressaltou a necessidade de aprovar o projeto de lei 554/2011, que trata da implementação das audiências de custódia, pela qual qualquer pessoa presa em flagrante deve ser apresentada a um juiz em um prazo de 24 horas.
Também pediu o fim das execuções extrajudiciais, abolindo os chamados "autos de resistência" e garantindo a investigação imparcial de todas as mortes causadas por policiais.
Após a onda de violência em presídios, no início do ano, as violações sistemáticas do sistema carcerário brasileiro ficaram ainda mais evidenciadas. Diante da comunidade internacional, a delegação brasileira acenou com promessas demagógicas que pouco servirão para corrigir o colapsado prisional. Esse debate precisa começar pela revisão da atual Lei de Drogas, um dos motores do encarceramento.
Em setembro, na sessão do Conselho de Direitos Humanos, o Brasil deverá responder quais das mais de 200 recomendações se comprometerá a cumprir.
Espera-se a rejeição de propostas regressivas, como a visão de família do Vaticano, e a aceitação integral das questões que apontam para avanços impostergáveis.
Admitir publicamente a aversão a pontos sensíveis de direitos humanos seria um ônus político indesejável a qualquer país que deseja se inserido nos debates internacionais de alto nível.
JUANA KWEITEL, mestre em direito internacional dos direitos humanos pela Essex University (Reino Unido), é diretora-executiva da ONG Conectas Direitos Humanos
PARTICIPAÇÃO
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