• Opinião

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    FÁBIO MEDINA OSÓRIO

    A primeira instância é mesmo melhor?

    26/05/2017 02h00

    No debate sobre o fim do foro privilegiado, há premissas que devem ser discutidas profundamente. Existem autoridades com a prerrogativa de serem julgadas por tribunais colegiados. A quantidade exata no Brasil não está bem calculada -o número parece excessivo, pois reúne desde os chefes dos três Poderes a autoridades municipais, promotores e militares, entre muitas outras categorias.

    Os dispositivos que conferem essa prerrogativa abrangem desde a Constituição Federal a leis infraconstitucionais, configurando um emaranhado legislativo. Há uma confusão que suscita perplexidades, o que dificulta a compreensão do alcance desse instituto.

    A prerrogativa é uma afronta à igualdade? Em sua gênese, ela existe para proteger a função da autoridade, em face de sua posição e de suas competências.

    Se uma autoridade desempenha funções fundamentais à sociedade, nada mais justo que possa ser julgada por um colegiado, protegida de arbitrariedades. O que se visa resguardar não é a pessoa, mas suas funções públicas. Não há desigualdade inerente ao instituto, somente distorções.

    O debate é legítimo, e deve ser aprofundado. Ninguém ignora que a opinião pública está contra tal "privilégio". O principal motivo a nortear essa rejeição estaria na ideia de que este "privilégio" poderia ser causa de impunidade da classe política e dos beneficiários desse instituto.

    Trata-se de um reflexo da Lava Jato no imaginário coletivo: acredita-se que a primeira instância do Judiciário é o juiz Sergio Moro. E imagina-se que as forças investigatórias de todo o país são aquelas da força- tarefa de Curitiba. Inegavelmente, os resultados da Lava Jato são exuberantes até aqui e têm merecido reconhecimento.

    Mas a operação está longe de representar a regra geral de nossa Justiça. Ela só funcionou em razão do respaldo dos tribunais superiores e de um aperfeiçoamento das instituições, a partir de erros procedimentais antes cometidos.

    Basta notar que, sem prerrogativa, criminosos de "colarinho branco" não foram punidos no Brasil antes dessa operação. Múltiplos fatores sempre contribuíram à impunidade, como o sucateamento das polícias, falta de integração dos fiscalizadores e lentidão do sistema -problemas, como se vê, sem conexão com o privilégio de foro.

    Em nosso país, há um péssimo hábito de se promover a política da "terra arrasada". É momento de repensarmos essa prática para um controle mais rígido dos tribunais, levando o modelo da prerrogativa de foro a uma extensão nova.

    Chefes de Poderes, ministros, magistrados, membros do Ministério Público, presidente e diretores do Banco Central -como negar relevância a essas funções, para efeito de prerrogativa de foro? Esse debate, evidentemente, há de ser travado para as próximas eleições.

    Não acredito na tentativa de reproduzir o sistema norte-americano, ou mesmo modelos europeus, em que não há prerrogativa de foro para autoridades públicas.

    Nos EUA, magistrados e promotores são eleitos ou nomeados, e a maioria dos julgamentos se dá por júri popular. Na Europa, juízes e procuradores têm forte sentido hierárquico.

    No Brasil, o foro abriga os princípios da eficiência e segurança jurídica. Sem ele, autoridades ficariam expostas à excessiva discricionariedade de milhares de juízes e membros do Ministério Público espalhados por todo o país, à interpretação de conceitos indeterminados sobre o justo e o injusto, o que poderia inviabilizar a tomada de decisões estratégicas.

    Se essa prerrogativa é uma "jabuticaba", não podemos nos esquecer de que nossas instituições, na radicalidade da independência funcional e das garantias constitucionais que ostentam, também o são, especialmente Ministério Público e magistratura. Isso já justifica a prudência no escalonamento hierárquico de fiscalizações e controles.

    FÁBIO MEDINA OSÓRIO, doutor em direito pela Universidad Complutense de Madri (Espanha), é presidente executivo do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado. Foi advogado-geral da União de maio a setembro de 2016 (governo Temer)

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