• Opinião

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    Marcus André Melo

    Corrupção sistêmica

    29/05/2017 02h00

    Por que tantos países de renda baixa ou média ficam presos na "armadilha do equilíbrio inferior", da qual é exemplo a corrupção sistêmica?

    Essa era uma pergunta que intrigava o economista americano Douglass North, vencedor do Nobel em 1993. A ela acrescentava outros questionamentos: Por que alguns países logram escapar dessa armadilha e transitam para um "equilíbrio superior", caracterizado pelo respeito à lei? O que explica a "mudança institucional descontínua", de uma situação para outra?

    Esses dois estados do mundo representam equilíbrios dependendo das crenças (mapas mentais) dos atores. A situação se estabiliza quando estes compartilham as mesmas crenças.

    Se todos acham que a corrupção é a regra do jogo, estamos em uma armadilha. Caso acreditem que transações honestas são essenciais, obedecer à lei é estratégia dominante.

    Quando práticas escusas são a regra, o ator que joga limpo será um perdedor e não sobreviverá. O incentivo nessa situação é jogar sujo, esperando que os demais também o façam. Se alguém ( um cidadão ou empresário) paga uma propina a um agente público (um fiscal ou um parlamentar), esperando que ele aceite a oferta, a situação persiste em equilíbrio.

    Se alguns transgressores forem punidos, ocasionalmente ocorrerá uma mudança no equilíbrio parcial (em um setor, um ministério ou uma prefeitura). Mas o equilíbrio geral será restaurado caso não haja um efeito manada quando um ponto de inflexão é alcançado.

    Muitos creem que a melhor estratégia para combater a corrupção é a mudança incremental, a partir do fortalecimento de órgãos de controle -por exemplo, Ministério Público, tribunais de contas e Polícia Federal. A expectativa é que se alcance eventualmente o ponto de inflexão.

    Mas o que garantirá que as forças contra a mudança não prevalecerão? Se a intuição do personagem de Lima Barreto estiver correta, estamos na armadilha da corrupção sistêmica há pelo menos cem anos: "penso, ao ler tais notícias, que a fortuna dessa gente que está na Câmara, no Senado, nos ministérios, até na Presidência da República se alicerça no crime Que acha você?".

    É certo que a magnitude da corrupção, sob governos recentes, elevou-se exponencialmente, para o que contribuíram vários fatores (dentre outros, o boom de commodities, o pré-sal e o controle sindical de fundos de pensão).

    A armadilha, contudo, não é nova. Não há dúvida de que as forças refratárias às mudanças são poderosíssimas: as evidências de que os líderes dos principais partidos brasileiros (PT, PSDB e PMDB) buscaram ativamente inviabilizar ações de controle são cristalinas.

    Por isso o cientista político Bo Rothstein, proponente da estratégia do big bang, duvida da eficácia da estratégia incremental, argumentando que é necessário um choque institucional para mudar as crenças. Não um choque qualquer, mas de grandes proporções -um big bang (um grande estouro)-, transformando um conjunto amplo de instituições.

    Exemplifica com o caso dos países escandinavos que passaram de um equilíbrio a outro em apenas 30 anos, enquanto EUA, Inglaterra e França levaram 50.

    O big bang é resultado de mudanças simultâneas em várias "margens institucionais": no sistema eleitoral, no Judiciário, no sistema educacional, na burocracia.

    O Brasil passa por um choque institucional de vastas proporções. É crença compartilhada que "nada será como antes". Fica, então, a pergunta: ele nos catapultará para o equilíbrio superior?

    Nesse contexto em que a violação às leis permanece, mesmo em meio a sanções aplicadas de forma inédita, vislumbram-se duas saídas: ou os atores continuam com crenças inconsistentes ou aderem ao novo jogo institucional.

    De toda forma, os obstáculos à mudança são maiores do que se pensava.

    MARCUS ANDRÉ MELO é professor titular de ciência política da UFPE - Universidade Federal de Pernambuco. É coautor do livro "Brazil in Transition" (Princeton University Press)

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