• Opinião

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    Daniel Barros, Felipe Oriá e José Frederico Lyra Netto

    Para além da esquerda e direita

    21/06/2017 02h00

    A França acaba de redesenhar seu quadro político. Finalizadas as eleições legislativas, o país confirma a preferência pelo movimento que levou Emmanuel Macron à Presidência. Sua aliança conquistou uma maioria impressionante, mesmo em meio à alta abstenção.

    Banqueiro em um governo socialista, Macron já desdenhava velhos estereótipos com sua história pessoal. Assim continuou fazendo ao longo da campanha. Ao tomar posições tidas ora como de esquerda, ora como de direita, acabou sendo classificado como "centrista".

    No entanto, logo se viu que seu "centrismo" era, na verdade, radical, na forma e no conteúdo. O berço da Revolução Francesa mostrou que as centenárias classificações políticas já não dão conta dos desafios do presente.

    Longe de acidental, essa nova combinação esteve na base do movimento República em Frente!, lançado há pouco mais de um ano. Nele, Macron dedicou-se a um debate centrado em ideias, franco.
    Recusou-se insistentemente a qualquer "alinhamento automático" a um dos lados do velho espectro político. Diante de um sistema desgastado, buscou a renovação não "contra" a política, como propunha Marine Le Pen, mas essencialmente "por meio" dela.

    Fez bom uso do corpo a corpo dos voluntários, em um esforço para reconectar-se às pessoas. As aparentes contradições, ao longo do tempo, tornaram-se força, não fraqueza. A população topou ir além das antigas dicotomias.

    Esse tipo de mobilização transcende a experiência francesa. Seu DNA é o mesmo de vários movimentos ao redor do globo que teimam em ser algo verdadeiramente novo.

    O Brasil está entrando nesse mapa com movimentos como o Acredito, que -em um momento de exaustão e falência da política convencional- buscam fazer com que novas gerações, desvinculadas de clãs tradicionais, tenham vez. E voz.

    Os céticos insistirão: mas o movimento Acredito é de esquerda ou de direita? Defender que o combate ativo às desigualdades deve ser a prioridade absoluta para um país injusto como o Brasil é ser de esquerda?

    E fazer isso de forma direcionada, incorporando mecanismos de mercado e incentivos bem desenhados, é ser de direita? Propor progressividade fiscal e taxação de heranças é coisa de esquerdista? E só direitistas podem achar que faltam mercado, competição e livre iniciativa no país?

    Buscar que o Estado repasse algumas de suas atribuições à iniciativa privada, oferecendo métricas claras sobre como regular a qualidade dos serviços, é sintoma de direitismo. Recusar a flexibilização dos gastos mínimos em educação e saúde, hoje garantidos na nossa Constituição, é sinal de esquerdismo.

    Essa renovação, estranha à velha classificação entre polos ideológicos, coloca a própria linguagem no centro da reflexão política. A categorização, afinal, é uma forma intuitiva de aprender, de entender a realidade ao nosso redor. Não se trata de abandonar tudo que aprendemos até hoje, mas de atualizar nossas referências, de evitar respostas simplistas e reducionismo.

    A França dá ao mundo razões para acreditar. Acreditar que podemos ir além da polarização para construir algo novo. Que nossa democracia amadureceu para exigir mais complexidade, não verdades fáceis. Que é possível, em um ano, construir um movimento que rejeite radicalismos e redesenhe nosso quadro político. Faltando 16 meses para as eleições de 2018, é hora da marcha começar aqui no Brasil também.

    DANIEL BARROS, jornalista, é mestre em administração pública pela Universidade Columbia (EUA) e colaborador do movimento Acredito

    FELIPE ORIÁ é cofundador do Acredito. Cientista político, é mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard (EUA)

    JOSÉ FREDERICO LYRA NETTO é é cofundador e diretor do Acredito. É engenheiro pela Unicamp e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard (EUA)

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