• Opinião

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    Sérgio Eduardo Ferraz

    Novas abordagens para a crise política

    22/06/2017 02h00

    A duração da crise política sugere que a encrenca em que o país se meteu não encontrará solução nos limites da abordagem policial e judicial.

    Após um ano do impeachment, Michel Temer sofre risco de afastamento por sérias suspeitas de ilícitos. Eventuais sucessores têm carga tóxica equivalente. O envolvimento com ações ilegais alcança quase toda a elite política.

    Um dominó de quedas no Executivo ameaça esgarçar ao limite o tecido institucional. Arrisca-se a sobrevivência dos próprios meios de se encontrar a saída do labirinto.

    Os esforços do Ministério Público e do Judiciário não inibiram de todo as velhas práticas. O suposto pagamento de propinas a políticos e operadores presos, indicado pela delação da JBS, assinala a resiliência dos esquemas. A abordagem repressiva não fez emergir o novo.

    O desmantelamento de estruturas políticas -efeito da lógica persecutória- pode resultar paradoxal, facilitando o trabalho dos corruptores, livres agora para acionar uma "ligação direta" dos seus interesses por dentro do aparato de Estado desorganizado.

    A população prossegue sequestrada em sua imaginação pela ilusão de que operações policiais e iniciativas judiciais bastem para desbaratar a corrupção. Mas é urgente qualificar o rumo do debate, se não quisermos enxugar gelo.

    Um começo é perceber que uma falha importante no desenho institucional brasileiro pós-1988, meritório em outras dimensões, foi sua incapacidade de projetar diques contra a colonização da atividade política por grandes grupos econômicos, risco que ronda qualquer democracia. Não se protegeu a esfera política das previsíveis tentativas de captura por parte de quem dispõe de poder para tal.

    Nossos políticos não vieram de Marte. Como tem mostrado Bruno Reis, da UFMG, eles respondem a uma conjunção nefasta entre regras eleitorais e de financiamento, indutoras de comportamentos predatórios. E se valem da frágil governança corporativa de nossas estatais.

    Do lado do financiamento, o teto de contribuição é um percentual da renda do doador, o que só existe entre nós. Até 2014, contribuíam pessoas jurídicas (até 2% do faturamento) e, ainda hoje, pessoas físicas (até 10% da renda anual). Importou-se para a política as assimetrias da economia, permitindo-se uma brutal desigualdade de influência no financiamento das eleições.

    Nas eleições legislativas, centenas ou milhares de candidatos disputam nos Estados, individualmente, o voto de milhões de eleitores, competindo por algumas dezenas de cadeiras. Nessa situação de quase anonimato, é vital obter visibilidade, o que requer muito dinheiro e, portanto, o favor de alguns poucos (e poderosos) financiadores.

    Multiplicaram-se os candidatos e concentraram-se os financiadores. Cristalizou-se um mercado em que estes últimos são o lado que dá as cartas do jogo. Previsível a fragilidade dos representantes frente aos respectivos patronos. Com o tempo, azeitadas as engrenagens, só sobrevive nesse habitat quem tem estômago e vocação para tal.

    Por sua vez, a Justiça Eleitoral não pode fiscalizar uma quantidade dessa monta de contas individuais de campanha. Para o eleitor, a competição por vagas legislativas carece de inteligibilidade política.

    É vital alterar essas regras institucionais. Não há fórmula pronta, mas baratear as campanhas, através de tetos nominais razoáveis para as contribuições privadas, com a pulverização dos financiadores, é um caminho promissor.

    Tornar partidárias e coletivas as disputas para o Legislativo, mediante um sistema de listas preordenadas, talvez se apresente como alternativa superior ao status quo, com ganhos de inteligibilidade e redução do número de contas eleitorais a fiscalizar. Cláusulas de desempenho mais elevadas concorreriam para diminuir a fragmentação partidária.

    Há, naturalmente, outras possibilidades razoáveis de conjugar regras eleitorais e de financiamento. E outras dimensões estatais necessitadas de inovação institucional, como a área de contratos públicos e governança. Urgente, no entanto, iniciar esse debate e superar uma abordagem meramente persecutória, insuficiente para nos tirar da crise.

    SÉRGIO EDUARDO FERRAZ é doutor em ciência política pela USP e auditor do Tesouro da Secretaria da Fazenda de Pernambuco

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