• Opinião

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    CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA

    Denúncia de Janot contra o presidente Temer é sólida? SIM

    01/07/2017 02h38

    PROVAS FORTES E CONVERGENTES

    Pela primeira vez na história do Brasil, um presidente da República foi denunciado por crime de corrupção passiva cometido no exercício do mandato. A peça acusatória, tecnicamente conhecida como denúncia, foi alvo de severas críticas parte do denunciado.

    Uma das táticas empregadas pelos investigados é a de tentar desqualificar o acusador -no caso, o procurador-geral da República-, dizendo, entre outras coisas graves, que a peça acusatória se trata de uma ficção.

    Não nos parece que a denúncia narre uma ficção, mas sim uma triste história que tem se repetido por anos em nosso país -e que não se sabe quando acabará.

    A denúncia descreve em detalhe toda a dinâmica dos fatos, desde o encontro dissimulado Joesley Mendonça Batista com o presidente Michel Temer (fora do horário de expediente e da agenda oficial) até o recebimento da mala com o dinheiro pelo então deputado federal Rodrigo Loures (PMDB-PR).

    A argumentação apresentada na peça acusatória, baseada em vasto conjunto probatório angariado em ação controlada judicialmente autorizada, nos leva à necessária conclusão de que Rodrigo Loures recebeu o dinheiro a mando do presidente Michel Temer. A quantia seria parte de um pagamento maior, que poderia chegar ao patamar de R$ 38 milhões ao longo de aproximadamente nove meses.

    A velha ladainha de que não existem provas começou novamente a ecoar. Podem efetivamente não haver provas concretas contra o presidente da República, uma vez que não foi ele a figura flagrada com a mala de dinheiro.

    Mas a prova indiciária é forte e converge sempre na direção do presidente como destinatário daquele montante, ao menos em parte.

    Costuma-se dizer que os indícios não são prova, pois baseados em probabilidades, e não em certeza. Não é verdade. Os indícios estão previstos no ordenamento processual penal objetivo, no capítulo que trata justamente das provas.

    Não há hierarquia entre as diversas espécies de prova. Não é sua natureza (prova direta ou indireta) que vai influir na convicção do magistrado. É a qualidade da prova, que poderá ou não convencer o juiz acerca da reconstrução histórica dos fatos, que é o seu objeto.

    Indícios são fatos secundários, conhecidos e provados, relacionados ao principal e que autorizem chegar-se a uma conclusão sobre algo a partir de deduções ou inferências.

    Isoladamente, em regra, o indício não é uma prova plena. Mas vários indícios apontando sempre em uma mesma direção podem demonstrar a ocorrência de um fato ou circunstância.

    A denúncia oferecida pelo procurador-geral da República reconstrói os fatos com amparo em indícios fortes e convergentes -os quais, se não forem desconstruídos durante a instrução processual, levam necessariamente à conclusão de que o presidente da República cometeu crime de corrupção passiva no exercício de seu mandato.

    A denúncia é apenas a peça inicial da ação penal e vem instruída com as provas recolhidas até o momento. Durante a instrução processual, as partes poderão produzir outras provas sob o crivo do contraditório.

    Para que se receba a denúncia e tenha início a ação penal, bastam indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime, enquanto para a condenação as provas devem ser firmes e coerentes, afastada qualquer dúvida razoável.

    Se nada for alterado e os fatos que constam da denúncia (embasada em prova indiciária forte e convergente) se confirmarem, a procedência da ação penal será de rigor.

    CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA, mestre em direito das relações sociais pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é promotor de Justiça em São Paulo

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