• Opinião

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    ANTÔNIO BRITTO

    Liberação de emagrecedores é jabuticaba venenosa

    04/07/2017 02h00

    A surpreendente decisão deliberar para venda no Brasil três medicamentos anorexígenos (emagrecedores) é uma "jabuticaba" muito perigosa.

    A jabuticaba -como se sabe- é uma exclusividade brasileira. Só existe aqui. Assim como a fruta, algumas coisas só acontecem neste país. Apenas no Brasil -para desprestígio de quem trata a saúde tecnicamente- deputados e senadores, com a conivência do Palácio do Planalto, decidem, deliberadamente, autorizar ou negar registros de medicamentos.

    Na natural evolução das espécies, poderemos no futuro ter os parlamentares sofisticando a jabuticaba. Determinariam, por exemplo, a dosagem e a hora exata de tomar o medicamento. Ou quem sabe até, para economizar tempo, passariam a votar nas reuniões da diretoria colegiada da Anvisa, a agência reguladora responsável pelo registro sanitário no Brasil.

    A fruta em questão não é apenas perigosa. É venenosa! Com o interesse em alguns votos, destrói-se a ideia de que agências reguladoras independentes, tecnicamente capazes e isentas, podem analisar um medicamento e responder por sua segurança e eficácia, garantindo a saúde da população.

    Mesmo diante das frequentes críticas que fazemos à Anvisa por sua demora e burocracia em processos, não podemos assistir calados a ações que podem destruir a agência em sua insubstituível tarefa de zelar pela saúde da população.

    Que não se faça aqui qualquer tipo de confusão. Não estamos afirmando ou negando que determinada substância possa ou não ser utilizada, tarefa que é, ou deveria ser, de cientistas e das autoridades reguladoras de saúde. Trata-se, isto sim, de discutir quem está habilitado a decidir isso.

    O Congresso Nacional poderia extrair da realidade dos brasileiros motivações mais adequadas para fixar marcos legais para a saúde pública. Debater as verdadeiras razões da nossa dependência tecnológica na área, por exemplo.

    Ou então submeter os indicados às agências a sabatinas reais e evitar a indicação puramente partidária de nomes para as diretorias.

    Também deveria exigir que a Anvisa esclarecesse e estivesse sempre aberta a discutir as razões de suas regulamentações.

    E ainda encontrar formas de fortalecer o SUS, que hoje está incapaz de corresponder às pesadas e caras demandas decorrentes da urbanização, do envelhecimento da população e do deficit na oferta de terapias mais modernas e mais eficientes, razão primeira da judicialização da saúde.

    Enfim, não se trata de restringir o Congresso Nacional, mas sim de colocá-lo onde pode e deve agir.

    A recente decisão de liberar os emagrecedores já causou um terrível prejuízo ao Brasil. Muitas vezes, especialmente em tempos recentes, tivemos de explicar originalidades nossas e intervenções apenas políticas em matéria de saúde Previdência Social.

    A situação agora mudou, para pior. Não se trata mais de justificar jabuticabas e sim de pedir ao mundo desculpas, uma vez que a classe política decidiu envenená-las.

    ANTÔNIO BRITTO é presidente-executivo da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa). Foi governador do Rio Grande do Sul e ministro da Previdência Social (governo Itamar)

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