• Opinião

    Sunday, 28-Apr-2024 01:39:06 -03

    Carla Alzamora

    O WO na genialidade de Olivetto

    26/07/2017 02h00

    Nesta segunda (24), o publicitário Washington Olivetto deu uma entrevista à BBC Brasil em que afirmou, entre outras coisas, que o "empoderamento feminino" é um clichê criado pela publicidade.

    O assunto entrou para o trending topics do Twitter, além de ter sido alvo de milhares de menções no Facebook -a maioria criticando a opinião expressada por ele.

    WO é a sigla de walkover -"vitória fácil", em tradução para o português. O termo, famoso no mundo esportivo, cabe perfeitamente aqui. A genialidade de Olivetto perdeu de lavada para a realidade. Sua entrevista expôs opiniões míopes e um reducionismo assombroso do complexo contexto atual.

    Vamos voltar a 2014, quando o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan esteve aqui para falar sobre os grandes desafios globais, a posição do Brasil em relação a eles e o papel da indústria criativa nesse debate. Fome, doenças, guerra, crise econômica e pobreza eram os assuntos esperados. Ele trouxe, contudo, também um outro desafio, a equidade de gênero.

    Passando longe da linguagem de um clichê publicitário, Kofi Annan descreveu o empoderamento das mulheres como um caminho para a equidade e uma das ferramentas de desenvolvimento humano mais eficazes que existem.

    Empoderar uma mulher é fazê-la sentir-se confiante e autônoma para tomar suas decisões. É permitir que exerça os papéis que deseja e criar ações para que isso aconteça.

    Em 2017, durante o Festival Cannes Lions, Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulheres, lançou a Unstereotype Alliance, movimento global de anunciantes pelo fim dos estereótipos de gênero na publicidade.

    Na semana passada, proibiu-se no Reino Unido a veiculação de materiais publicitários que reforcem visões preconceituosas. Isso não é oportunismo, é consciência sobre o resíduo que essas mensagens geram.
    Nós aprendemos que a publicidade retrata a sociedade, mas aprendemos errado. A publicidade não nos retrata.

    Vivemos em um país em que 54% da população é negra, mas na publicidade quase 90% dos personagens são brancos.

    Um país em que 51% dos novos empreendedores são mulheres, porém apenas 0,6% dos comerciais as retratam dessa maneira.

    Enquanto 40% delas são responsáveis pelas contas da casa, no mundo publicitário seu papel é restrito a cuidar do lar e dos filhos.

    Em média 80% das decisões de consumo são tomadas por mulheres, mas 65% delas não se sentem representadas pela mídia.

    Talvez o vento no rosto ou a velocidade incrível do Porsche -o publicitário comparou a mulher ao carro- tenham impedido Olivetto de ver, mas o contexto mudou.

    Se quisermos voltar a ser relevantes, precisamos revisitar o que aprendemos e, sim, desconstruir o lugar-comum em que vivemos há décadas. Um beijo no coração.

    CARLA ALZAMORA é publicitária, diretora de Planejamento da Heads Propaganda e líder do estudo TODXs, que analisa como raça e gênero são representados na publicidade brasileira

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br

    Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamentos contemporâneo.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024