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    editorial

    Rota suicida

    02/08/2017 02h00

    Christian Veron/Reuters
    An opposition supporter holds a shield that reads "No more deaths" as clashes break out while the Constituent Assembly election is being carried out in Caracas, Venezuela, July 30, 2017. REUTERS/Christian Veron ORG XMIT: CCS652
    Homem protesta contra mortes provocadas por forças de repressão em protestos anti-Maduro

    A esta altura, faltam adjetivos para qualificar a crise que se aprofunda a cada dia na Venezuela. Resta a descrição objetiva: trata-se de uma tragédia humana com poucos paralelos em tempos de paz.

    O próprio conceito de paz se turva, porém, no país vizinho. Ainda que não haja guerra civil, ao menos dez pessoas morreram em um final de semana de atos contra a eleição do que o regime chavista pretende que seja a nova Assembleia Constituinte. Em quatro meses de protestos de rua quase diários, os mortos passam de cem.

    Desaparecem, sob o jugo do caudilho Nicolás Maduro, os últimos vestígios de democracia. Na madrugada desta terça-feira (1º), voltaram ao cárcere dois líderes oposicionistas, Leopoldo López e Antonio Ledezma, até então mantidos em prisão domiciliar.

    Vídeos mostram ambos sendo retirados de casa —Ledezma, 62, ainda de pijama— por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência. Estimam-se quase 500 presos políticos na Venezuela.

    Maduro insiste em seu tresloucado arremedo de Constituinte, cujo único propósito palpável é solapar o Poder Legislativo, no qual a oposição conquistou maioria em 2015.

    São risíveis os argumentos —reverberados, no Brasil, pelo PT e outros setores da esquerda— de que a congregação chavista estará legitimada pelo voto popular.

    As regras impostas para a escolha dos 545 membros do colegiado nem ao menos procuram aparentar algum objetivo de representatividade. Um terço das cadeiras foi reservado a associações setoriais, em geral fiéis ao regime; o restante caberá a nomes sufragados de forma territorial, com peso excessivo dos pequenos municípios.

    Não por acaso, a maioria da população recusou-se a convalidar a farsa. Segundo o governo, votaram 41,5% dos eleitores, mas a própria cifra oficial parece inflada.

    Também obscuras são as dimensões da catástrofe social produzida pelo colapso do populismo bolivariano. O FMI calcula que a renda do país terá encolhido cerca de 30% de 2014 a 2017 —em período semelhante, a brutal recessão brasileira ceifou 8% do PIB; a Grécia levou seis anos para ver sua economia reduzida em 26,5%.

    A inflação deve ultrapassar os 1.000% neste ano, enquanto faltam alimentos e remédios nas prateleiras; o desemprego, em tendência de alta contínua, ronda os 25%; milhares de venezuelanos buscam refúgio em outros países.

    Persistindo nessa rota suicida, o regime de Maduro alheia-se cada vez mais da comunidade internacional. As sanções anunciadas, infelizmente, pouco o intimidam, impregnado que está de uma estupidez só encontrada nas ditaduras.

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