• Opinião

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    Jairo Bouer

    Sexo e resistência bacteriana

    15/08/2017 02h00

    Como uma infecção aparentemente simples, que convive com a humanidade desde os primórdios da civilização, ganha força e se transforma em uma ameaça real, com risco de se tornar intratável?

    Os cientistas têm encontrado uma série de explicações para o fenômeno. Toda vez que tomamos um antibiótico corremos o risco de selecionar algumas linhagens de bactérias resistentes. Elas, então, se multiplicam, formam clones também resistentes, substituem a população anterior de organismos sensíveis e passam a não responder aos tratamentos convencionais.

    O uso banalizado de antibióticos, a interrupção precoce dos tratamentos e a automedicação estão na raiz desse problema.

    Mas o comportamento sexual da população também tem contribuído para a disseminação das cepas mais resistentes. No último mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que a super gonorreia tem crescido em função da prática mais disseminada de sexo oral (via de regra, sem proteção) e do menor uso de camisinha.

    O distanciamento das fases mais críticas da epidemia da Aids, o esgotamento do apelo do preservativo e a sensação de que o HIV passou a ser um inimigo controlável fizeram com que parte da população enxergasse menor risco no sexo.

    As tecnologias que facilitam encontros também contribuem para a prática de sexo sem proteção. De forma paradoxal e agindo por impulso, as pessoas tendem a confiar mais em parceiros "conhecidos" em ambientes virtuais.
    No Brasil, pesquisa de 2016 do Ministério da Saúde revela que quase a metade dos jovens não usa preservativos de forma regular, nem mesmo com parceiros casuais.

    Não é à toa que as autoridades de saúde têm percebido uma explosão das DSTs (doenças sexualmente transmissíveis). São mais de 78 milhões de casos de gonorreia todos os anos no mundo e 30% das infecções nos EUA já são resistentes a pelo menos um dos antibióticos utilizados.

    Segundo a OMS, já houve registro da super gonorreia, que não responde a todos os esquemas terapêuticos disponíveis hoje, na França, na Espanha e no Japão.

    Em reportagem do jornal "The New York Times", Emilie Alirol, chefe do programa de doenças sexualmente transmissíveis da Parceria Global de Pesquisa e Desenvolvimento de Antibióticos, em Genebra, afirmou que a garganta pode estar no centro dessa discussão.

    Muitas infecções por gonorreia podem passar despercebidas (assintomáticas) nessa parte do corpo, que funcionaria como uma espécie de reservatório. Na prática de sexo oral, essas bactérias acabam sendo levadas para o pênis ou para vagina dos parceiros.

    Outras bactérias da orofaringe expostas a antibióticos (no tratamento de uma dor de garganta, por exemplo) podem selecionar "genes" resistentes. Então, em um fenômeno conhecido como transferência horizontal, elas "exportam" esses genes para outras espécies, inclusive para aquelas que causam a gonorreia.

    Para complicar, as DSTs na garganta são mais difíceis de serem combatidas, em função do menor número de colônias de bactérias e, também, pela pior resposta dessa região aos antibióticos.
    Se não tratada, a gonorreia pode levar à infertilidade, tanto no homem como na mulher. Também aumenta o risco de infecção pelo vírus HIV.

    Em função da emergência dessa resistência bacteriana, é importante pensar em um programa mais efetivo de discussão de sexualidade nas escolas, na revalorização do preservativo, em um uso racional dos antibióticos e no investimento em novas tecnologias que consigam prevenir e tratar as DSTs.

    PARTICIPAÇÃO

    JAIRO BOUER é médico psiquiatra e biólogo. Escreve sobre saúde, sexualidade e comportamento há 25 anos

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