• Opinião

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    Carlos Alberto Mattos

    Cineasta se defendeu com crítica anacrônica

    13/08/2017 02h00

    O artigo de Josias Teófilo, publicado na Folha, passa uma impressão ambivalente sobre o seu autor.

    Ora ele se diz vítima de conspiração de uma entidade chamada de "establishment cinematográfico nacional ligado à esquerda socialista", perseguido e evitado por seus pares, boicotado por "praticamente todos os festivais brasileiros"; ora mostra-se eufórico com as plateias lotadas para ver seu filme sobre Olavo de Carvalho.

    Faltou mencionar que isso é o resultado de uma intensa mobilização, inclusive financeira, dos admiradores do escritor ultraconservador, o que é de seu pleno direito.

    Mas nada disso importa tanto quanto outras perorações do cineasta a respeito do cinema brasileiro e dos que se incomodaram com a previsível pajelança que o Cine-PE preparava para o seu filme.

    Josias afirma que no cinema brasileiro "quase tudo está mofado e podre". Isto poucos meses depois de termos feito uma brilhante participação no Festival de Berlim, levado um prêmio na Semana da Crítica de Cannes e colocado um filme, "Aquarius", na lista dos melhores da temporada internacional de 2016 pela imprensa de diversos países.

    Há muito o cinema brasileiro não passava por fase tão favorável como resultado de políticas acertadas dos últimos anos, que agora sofrem a ameaça generalizada à cultura, vigente no atual governo.

    Felizmente, uma parte considerável da classe cinematográfica ainda reza pela cartilha do humanismo e das ideias progressistas, o que Josias e seus ídolos preferem enxergar como "limitação ideológica". O meio cultural, aliás, tem sido um dos mais ativos focos de resistência à barbárie direitista que põe em risco o futuro imediato do país.

    Importante é também rebater vigorosamente a ideia, comprada por setores do cinema e da mídia, de que a atitude dos sete cineastas de retirarem seus filmes do Cine-PE configuraria uma "censura" ao documentário de Josias. Em nenhum momento foi solicitada a exclusão do seu filme, mas apenas resguardado o direito de participar ou não de um evento que se anunciava pré-formatado politicamente. Como, aliás, a premiação veio confirmar.

    Fui um dos idealizadores de um manifesto em apoio aos sete cineastas, assinado por 63 críticos de cinema de todo o Brasil, entre eles Jean-Claude Bernardet, Pedro Butcher, José Geraldo Couto, Luiz Zanin, Maria do Rosário Caetano e João Luiz Vieira. Não havia ali qualquer juízo a respeito do filme de Josias, mas somente a defesa de um ato político legítimo.

    Cabe, ainda, desmentir que o festival recifense tenha sido adiado exclusivamente por essa razão, quando sabemos que o evento, em franca decadência, já havia sido postergado e, até uma semana antes, não tinha sequer formalizado o convite aos participantes. A cobertura crítica da recente edição comprova sua quase total defasagem com o momento cinematográfico brasileiro.

    Josias Teófilo, como qualquer cineasta, tem a prerrogativa de escolher seus temas e personagens com liberdade. No entanto, como não existem escolhas inocentes, ele precisa lidar com os encargos dessa liberdade. Quanto aos "esquemas da retórica socialista" a que ele se refere e se opõe, só a perda do sentido de realidade pode explicar conceituação tão anacrônica.

    PARTICIPAÇÃO

    CARLOS ALBERTO MATTOS é crítico e pesquisador de cinema, autor do livro "Cinema de Fato: Anotações sobre Documentário"

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