• Opinião

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    DIOGO R. COUTINHO

    O STF e o poder das agências

    16/08/2017 02h00

    As agências reguladoras brasileiras, criadas no bojo das reformas liberalizantes dos anos 1990 e 2000, encontram-se numa encruzilhada e seu destino está, em boa medida, nas mãos do Supremo Tribunal Federal.

    Nesta quinta (17) a corte deverá julgar a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4.874, cuja decisão será essencial no lento e hesitante processo de construção institucional da regulação econômica no país.

    A ADI trata, entre outros aspectos, do poder normativo da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O imbróglio que levou o caso ao Supremo sobreveio com a edição, pela agência, de resolução que veta aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco.

    A Anvisa proibiu o uso de palavras como "light", "suave" e "soft" nos maços de cigarro, além de ter desautorizado a utilização de agentes flavorizantes e semelhantes, que deixam os cigarros mais atraentes para fumantes e também para quem não fuma.

    A Confederação Nacional da Indústria (CNI), autora da ADI, questiona a constitucionalidade do inciso 15º do artigo 7° da lei federal 9.782/99, que criou a Anvisa e definiu suas atribuições.

    Para a CNI, a agência estaria extrapolando de forma ilegítima suas competências ao interditar o uso de aditivos. Sustenta ainda que eles não acarretam danos adicionais à saúde. Contra tal pleito, a Anvisa argumenta que lei lhe deu, como órgão técnico, competência explícita para avaliar o que é "risco iminente à saúde".

    Rebate ainda a ação ao defender que os produtos fumígenos tendem a criar novos contingentes de fumantes, em especial entre os jovens. De forma correta, entende que seu papel também é preventivo (regulação de riscos) e que tal possibilidade se enquadra em sua missão institucional.

    A própria concepção e a efetividade da ação reguladora do Estado nos mais diferentes setores da economia estão em jogo nesta ação.

    Para além das peculiaridades do caso em debate, a decisão da ADI 4.874 refere-se, em última análise, ao reconhecimento, pelo Supremo, do poder normativo (derivado de delegação legislativa) das agências reguladoras em geral.

    A construção de um modelo de regulação da atividade econômica baseado em agências independentes e autônomas pressupõe que tais órgãos possam demarcar o campo de ação de agentes privados e, se necessário, impedir que adotem certas medidas –neste tipo de caso, levando-se em conta aspectos de saúde pública.

    No entanto, persiste o mito segundo o qual regulamentos expedidos por órgãos reguladores não podem "inovar a ordem jurídica", isto é, criar direitos e obrigações não previstos explicitamente em lei.

    Reguladores, em síntese, não poderiam legislar. Trata-se de uma falácia que tapa o sol com a peneira.

    A disputa conceitual e binária acerca da diferença entre legislar e regular, como se houvesse fronteira clara entre ambos, é infértil e diversionista. Criar normas por meio de poder normativo a elas conferido por lei é parte das tarefas de agências reguladoras onde quer que a regulação seja levada a sério.

    Havendo excessos, claro, o controle democrático e judicial da regulação haverá de contê-los, cabendo ao Congresso disciplinar a extensão do poder das agências por meio de normas que criem e institucionalizem instrumentos de transparência, estudos de impacto regulatório e mecanismos de controle e participação social.

    DIOGO R. COUTINHO, doutor em direito pela USP, é professor de direito econômico na mesma universidade

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