• Opinião

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    WALBER DE MOURA AGRA

    Doações empresariais deveriam ser retomadas na próxima eleição? SIM

    19/08/2017 02h00

    ALGUÉM PRECISA PAGAR A CONTA

    Em momentos de grave crise institucional, configura-se como traço marcante de parcela da sociedade brasileira a procura de panaceias, de remédios miraculosos que possam transformar a realidade.

    Todavia, descurando-se das premências sociais, agindo de forma casuística e sem interlocução com a sociedade, essa alquimia jurídica nunca produzirá os efeitos desejados.

    A criação do fundo público para campanhas, no valor de cerca de R$ 3,6 bilhões, não soluciona o problema; antes, o agrava.

    Transforma o sistema de financiamento em uma jabuticaba, apenas vista em terras tupiniquins. Sua criação açodada, em momentos de grave crise fiscal, densificará a deslegitimação da classe política -e o que é pior, sem impedir o financiamento privado.

    Entronizará uma elite partidária que distribuirá os recursos partidários de forma arbitrária; instituirá, definitivamente, uma cartelização, em que as grandes agremiações serão aquinhoadas com os maiores recursos públicos, perpetuando-se no poder. Por fim, distanciará definitivamente a população da elite política encastelada no Congresso.

    Propugna-se, nestas linhas, pelo financiamento privado de campanha, de pessoas físicas e jurídicas. Diante de nosso contexto social, inexoravelmente haverá contribuição de pessoas jurídicas, de forma legal ou não.

    Essa assertiva é verdadeira porque os empresários, conscientes ou não, são guiados pela filosofia pragmática, em que as escolhas de investimento são feitas de acordo com as possibilidades que permitam maior retorno. A proximidade com o poder político permite que eles possam ser beneficiados.

    Do mesmo modo, o financiamento eleitoral é envolto pelo princípio da economicidade, consistindo que o investimento realizado no pleito tem um retorno muito maior durante o mandato do candidato eleito, ou seja, os custos assumidos são recompensados pelos lucros auferidos, que necessariamente não são ilegais.

    A contribuição de pessoas jurídicas, em si, não é deletéria para a democracia. Como sujeito de direito, elas têm a prerrogativa de participar da tomada de decisões, expondo suas demandas. Em todo o mundo, há uma tendência de o poder econômico influir no poder político, mas sem descurar das outras demandas da sociedade.

    Dessa forma, não se pode cercear algo que é da própria natureza da esfera política-econômica em regimes capitalistas, a não ser que se queira esconder a realidade, como se fosse uma neurose jurídica.

    O ponto nefrálgico é evitar as várias modalidades de abuso de poder; uma regulamentação razoável, portanto, é a melhor solução.

    Deve-se enfrentar a questão em seus pontos principais: o barateamento das campanhas, com a padronização dos programas eleitorais; o estabelecimento de limites ao financiamento, com valores predeterminados; o aperfeiçoamento das prestações de contas; a transparência completa das contribuições; a criação de parâmetros por parte do TSE para consolidar suas decisões e evitar a insegurança jurídica.

    A discussão precisa ser realizada sem hipocrisia. As eleições são custosas e alguém precisa pagar a conta. A melhor forma de sanar o problema é permitir o retorno das contribuições privadas em sua forma plena, com as empresas, regulamentando-as de modo adequado para impedir que o caixa dois seja substancial.

    Goethe, nos seus últimos dias de vida, dizia que queria "luzes, luzes e mais luzes". Parece que a sociedade brasileira prefere a tradição portuguesa, sintetizada na expressão de José Saramago: "se os céus não veem, que ninguém veja."

    PARTICIPAÇÃO

    WALBER DE MOURA AGRA, doutor em direito pela Universidade Federal de Pernambuco e pela Facultà degli Studio di Firenze (Itália), é procurador do Estado de Pernambuco

    PARTICIPAÇÃO

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