• Opinião

    Friday, 03-May-2024 09:07:16 -03

    editorial

    Golpe constituinte

    22/08/2017 02h00

    Ronaldo Schemidt/AFP
    TOPSHOT - An anti-government activist demonstrates against Venezuelan President Nicolas Maduro at a barricade set up on a road in Caracas on August 8, 2017. Recent demonstrations in Venezuela have stemmed from anger over the installation of an all-powerful Constituent Assembly that many see as a power grab by the unpopular President Maduro. The dire economic situation also has stirred deep bitterness as people struggle with skyrocketing inflation and shortages of food and medicine. / AFP PHOTO / Ronaldo SCHEMIDT ORG XMIT: RSA299
    Mulher protesta contra o governo de Nicolás Maduro na Venezuela

    A farsesca Constituinte venezuelana nem sequer procurou afetar algum objetivo mais elevado.

    Antes de completar duas semanas de atividade, o colegiado chavista já se arvorou a tomar para si as prerrogativas da Assembleia Nacional, o Legislativo do país, onde a oposição ao regime de Nicolás Maduro dispõe de maioria.

    Formalizou-se a medida, na sexta (18), por meio de decreto, cujo texto, como não poderia deixar de ser, mereceu aprovação unânime dos membros da Casa –escolhidos, afinal, a partir de regras tão esdrúxulas quanto desenhadas sob medida para favorecer o governismo.

    Entre os 545 supostos constituintes, um terço veio de sindicatos e outras organizações amplamente aparelhadas pelo Estado; o restante se compõe de representantes de todos os municípios, sem levar em conta o tamanho das populações.

    Não espanta que só uma minoria, de dimensões obscuras, tenha comparecido às urnas para legitimar o embuste, ao qual não faltou o toque de ridículo da eleição da mulher e do filho de Maduro.

    O caudilho nunca aceitou a vitória oposicionista no pleito parlamentar de dezembro de 2015 –a primeira do gênero após 16 anos de chavismo. Na escalada de intimidações à Assembleia Nacional, os ritos e valores mais básicos da democracia foram sendo aviltados.

    De início se buscou, com a intervenção de um Judiciário servil ao Executivo, impedir a posse de três deputados que formariam uma maioria capaz, por exemplo, de alterar a Constituição.

    Depois, já no final de março deste ano, o mesmo Tribunal Supremo de Justiça intentou usurpar as funções do Legislativo, só recuando depois da péssima repercussão internacional. A partir daí, uma onda de manifestações de rua sacudiu o país, resultando em mais de uma centena de mortos.

    Chega-se agora à manobra mais descarada, sob o pretexto risível de reformar a Carta aprovada em 1999 pelos próprios bolivarianos.

    Esta Folha, como se sabe, passou a tratar Nicolás Maduro por ditador. Seu arremedo de Constituinte faz jus ao epíteto de golpe, termo infelizmente banalizado em arengas políticas no Brasil.

    Dadas a deterioração institucional, a repressão a opositores e seu propósito de perpetuar-se a todo custo, o regime seria uma ditadura mesmo que a Venezuela passasse por um momento de prosperidade material e satisfação popular.

    Vivendo calamidade econômica e social, o país serve como demonstração didática das tragédias que podem ser produzidas por governos que não se submetem aos freios e contrapesos da democracia.

    editoriais@grupofolha.com.br

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024