• Opinião

    Monday, 29-Apr-2024 02:12:12 -03

    ALESSANDRA MONTEIRO, DANILO R. LIMOEIRO e TABATA AMARAL DE PONTES

    Distritão, uma proposta perigosa

    23/08/2017 02h00

    Não existe bala de prata para consertar o sistema político brasileiro. O recente relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP) apresenta alguns avanços, como o fim das coligações proporcionais, mas outras propostas, como a lista fechada, têm efeitos menos certos.

    De toda forma, algumas ideias que rondam o meio político são claramente nefastas e só pioram os problemas atuais.

    Esse é o caso do chamado distritão. Com a medida, as vagas de deputados federais e estaduais serão distribuídas para os candidatos mais votados, independente de seus partidos. Atualmente, as cadeiras dos parlamentares são uma combinação de votos recebidos por candidatos e agremiações.

    Indo contra os anseios da população, o distritão beneficia os partidos e políticos que já estão no poder. Nesse modelo, o candidato precisa ser competitivo frente todo o eleitorado de seu Estado. Por isso levam vantagem os nomes já conhecidos pela população ou que contam com a máquina pública/partidária para se tornarem populares.

    Análises com dados de eleições anteriores corroboram essa suspeita. Simulamos um cenário em que os candidatos mais votados são ranqueados, independente do partido. A partir daí, checamos quais novos deputados teriam sido eleitos por essa regra e quais ficariam de fora.

    Se o distritão já funcionasse nas eleições de 2010 e 2014 para a Câmara dos Deputados, o maior beneficiado seria o PMDB, seguido do PT e PSDB, todos envolvidos nos recentes escândalos de corrupção.

    Nas assembleias estaduais, a medida também seria extremamente generosa com o PMDB. O partido saltaria de 139 para 160 deputados estaduais eleitos em 2014.

    No Estado do Rio de Janeiro, a bancada pularia de 15 para 24 deputados, um acréscimo de 60%. Não é surpresa que o modelo seja defendido por Michel Temer e Eduardo Cunha.

    Além de reforçar as estruturas políticas que estão no poder, o distritão também privilegia as campanhas ricas. Nossas simulações mostram que os 45 deputados federais que seriam eleitos por essa medida, em 2014, tiveram uma média de gasto (R$ 1 milhão) 57% maior que os 45 que ficariam de fora (R$ 673 mil). Ou seja, no distritão quem gasta mais, leva mais.

    E quem pagaria essa conta? Os cofres públicos? Sim. Uma vez que as doações empresariais foram corretamente proibidas, agora deve-se aumentar o financiamento público de campanha. O fundo de R$ 3,6 bilhões proposto para custear campanhas resulta em um gasto de US$ 5,3 de cada brasileiro.

    Na Noruega, onde 70% das receitas partidárias são dos cofres públicos, esse valor é de US$ 17. Se considerarmos a diferença de renda per capita em ambos países, o brasileiro médio gastará duas vezes mais que o norueguês.

    Ora, embora o financiamento público seja desejável, deve ser acompanhado por medidas que tornem as campanhas mais baratas, atenuando assim o impacto sobre os recursos da União.

    Ao privilegiar o poder econômico e aumentar os incentivos sistêmicos para mais gastos, o distritão vai na direção oposta.

    É possível fazer muito para melhorar o sistema político brasileiro. Acreditamos que, neste momento, precisamos de regras que permitam a renovação dos quadros políticos e a diminuição do poder econômico nas campanhas.

    A lógica e os dados demonstram que o distritão não é o caminho.

    PARTICIPAÇÃO

    ALESSANDRA MONTEIRO, colaboradora do movimento Acredito, é administradora e consultora na área de políticas públicas

    DANILO R. LIMOEIRO, colaborador do movimento Acredito, é mestre pela Universidade de Oxford, doutorando em ciência política pelo MIT e autor
    de "Além das Transferências de Renda"

    TABATA AMARAL DE PONTES, cofundadora do movimento Acredito, é formada em ciências políticas com curso secundário em astrofísica pela Universidade Harvard (EUA)

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br

    Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamentos contemporâneo.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024