• Opinião

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    João Ricardo Costa Filho

    A recessão no Brasil já foi superada? NÃO

    02/09/2017 02h00

    INCERTEZAS DEIXAM O CENÁRIO NEBULOSO

    Quando olhamos para o passado recente, lembramos que dez anos atrás o mundo estava à beira da maior crise financeira desde a Grande Depressão, o que deixou marcas profundas nas economias desenvolvidas. No Brasil, contudo, gerou recessão de apenas dois trimestres.

    A vigorosa recuperação de 2010 deu a impressão de que a economia deslanchava, mas a realidade se manifestou na direção contrária.

    De 2011 a 2014, vimos a economia desacelerar sistematicamente, até parar. Há quem culpe o resto do mundo por isso, mas provavelmente nós sejamos os maiores responsáveis.

    Toda uma agenda para melhorar a eficiência (como, por exemplo, mudanças na educação, na tributação e no arcabouço institucional) foi posta de lado. A queda na produtividade arrastou consigo o PIB.

    No segundo trimestre de 2014, iniciou-se a recessão que pode vir a ser a mais longa desde a década de 1980 (de acordo com o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da FGV, a mais extensa ocorreu de 1989 a 1992, com 11 trimestres de duração). Por que a economia brasileira demora tanto para se recuperar? A resposta vale 13 milhões de empregos.

    Após uma eleição presidencial polarizada, os avisos da perigosa dinâmica fiscal deixaram de ser ignorados. Contratamos na Constituição de 1988 uma trajetória de gastos públicos que independe a evolução das receitas.

    Nos anos de bonança essa preocupação foi posta de lado, porém, quando a música parou, a situação tornou-se insustentável. O endividamento público disparou, e a agenda econômica destina-se a conter esse processo.

    Além dos problemas fiscais, havia desalinhamento nos preços da economia. A combinação de inflação alta e recessão chegou aos setores mais resistentes, e o mercado de trabalho começou a se deteriorar.

    A depreciação do câmbio deu algum alento, mas a nossa economia é muito fechada. O ajuste externo foi favorecido pela veloz queda nas importações, sinal de atividade econômica fraca.

    Do ponto de vista da demanda, são os investimentos que geralmente conduzem o ciclo econômico. Parte importante deles ocorre na construção civil, setor no epicentro do maior escândalo de corrupção já registrado no país.
    A Petrobras perdeu valor de mercado na mesma velocidade em que fomos perdendo a esperança de que este poço tenha fim.

    Ao mesmo tempo, as famílias estão muito endividadas; ao cortarem gastos para pagar as dívidas, reforçam o impulso contracionista.

    Atribuo grande parte da lentidão na recuperação à dinâmica do mercado de crédito. Os bancos privados diminuíram as concessões em resposta à inadimplência crescente.

    As nossas grandes empresas acostumaram-se ao crédito barato do BNDES, cuja evidência empírica demonstra que, na melhor das hipóteses, não aumenta nem o investimento nem a produtividade.

    Se mesmo essas empresas passaram por escassez de recursos, imagine-se a situação das demais, que já estavam acostumadas a um racionamento de crédito maior.

    O que vai acontecer? Ninguém sabe. E isso amplifica o problema. O impacto da incerteza na economia vem retardando o processo de recuperação. Todos os dias somos bombardeados com notícias que deixam o futuro cada vez mais nebuloso.

    Como tomar decisões além do curto prazo? Afinal, você compraria uma casa, um carro ou uma máquina cara sem saber quando a situação irá se normalizar? Pois é, os outros também não.

    PARTICIPAÇÃO

    JOÃO RICARDO COSTA FILHO, doutorando em economia pela Universidade do Porto (Portugal), é professor do mestrado profissional da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

    PARTICIPAÇÃO

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