• Opinião

    Sunday, 28-Apr-2024 06:06:55 -03

    Emanuel Ornelas

    O fetiche do estádio próprio

    03/09/2017 02h00

    Doug Patricio/Brazil Photo Press/Folhapress
    Fred e Leonardo Silva do Atlético Mineiro durante partida contra o Jorge Wilstermann em jogo válido pelas oitavas de final da Copa Libertadores da America
    Fred e Leonardo Silva do Atlético Mineiro durante partida contra o Jorge Wilstermann em jogo válido pelas oitavas de final da Copa Libertadores da America

    No dia 18 de setembro, o Conselho Deliberativo do Atlético Mineiro decidirá se o time construirá um estádio de futebol. As manifestações na imprensa são de total apoio à iniciativa. O assunto, porém, merece maior reflexão, inclusive porque os argumentos ecoam equívocos usualmente encontrados nas discussões de políticas públicas no Brasil.

    Há três argumentos principais usados para justificar o projeto do estádio próprio, que discuto a seguir.

    1) O clube não terá custos com a construção do estádio.

    O projeto tem sido veiculado como um grande negócio. Afinal, o Atlético não teria despesas. Usaria, porém, R$ 250 milhões que serão obtidos com a venda de 50,1% do Diamond Mall, shopping atualmente arrendado pelo clube.

    A questão é apresentada como se existissem apenas duas opções: usar o dinheiro no estádio ou não o receber. Não é esse o caso, pois os R$ 250 milhões não são condicionais a esse fim.

    Com R$ 20 milhões o clube poderia contratar um ótimo jogador e pagar seus salários por três anos. Com R$ 250 milhões, adquire-se um time inteiro de ótimos atletas. Será que isso traria menos sócios-torcedores e venderia menos camisas que o estádio, para citar dois objetivos usados na justificativa da construção? Mais importante, o que os torcedores prefeririam: um estádio ou um esquadrão de futebol?

    Em suma, embora o Atlético não tenha que desembolsar recursos para financiar a obra, isso não significa que ela não tenha custos. O clube pode usar os recursos da venda do shopping de forma mais produtiva para o seu presente e futuro.

    2) É importante ter "casa própria", como os grandes times.

    O "sonho da casa própria" pode fazer sentido para um indivíduo. Para um clube de futebol, é apenas um fetiche. Um fetiche muito caro.

    Sim, muitos grandes times do mundo possuem estádio próprio. Essa associação, todavia, não significa causalidade: as equipes não se tornaram grandes porque construíram um estádio.

    E provavelmente não o teriam feito se tivessem à disposição dois outros espaços recém-reformados. O Atlético tem esse privilégio, podendo utilizar o Mineirão para os jogos maiores e o Independência para os demais.

    Portanto, o argumento da "necessidade do estádio próprio" é falacioso. Utilizá-lo logo após o período das "farras dos estádios" da Copa do Mundo é ofensivo.

    3) O estádio permitirá resgatar "o pessoal da geral".

    O "pessoal da geral" está fora dos estádios porque o custo do futebol hoje é muito mais alto do que era.

    Não é simples resolver tal problema. Lembremo-nos dos operários do Itaquerão que receberam ingressos de graça para a abertura da Copa: quase nenhum foi ao jogo, preferindo revendê-los ao preço de mercado.

    E mesmo se a diretoria conseguisse levar os ingressos superbaratos aos "geraldinos" e pudesse impedi-los de revendê-los, tal iniciativa não requereria um estádio próprio: o Independência e o Mineirão permitem ao clube, caso deseje, fazer exatamente o mesmo.

    Portanto, os argumentos em prol da construção do estádio não se sustentam após um olhar minimamente cuidadoso. Na verdade, abusam de apelos emocionais e populistas, similares em tom e substância àqueles que permeiam o debate de políticas públicas no país.

    PARTICIPAÇÃO

    EMANUEL ORNELAS, doutor em economia pela Uniersidade de Wisconsin-Madison (EUA), é professor titular da Fundação Getulio Vargas (e atleticano)

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br

    Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamentos contemporâneo.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024