• Opinião

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    GUSTAVO BADARÓ

    Provas apresentadas pela JBS deveriam ser anuladas? NÃO

    09/09/2017 02h00

    DOCUMENTOS CONTINUAM VÁLIDOS

    A revelação do conteúdo da longa e estarrecedora conversa de Joesley Batista e Ricardo Saud, além de profunda indignação social, gerou importantes discussões jurídicas. Se o acordo firmado entre eles e a Procuradoria-Geral da República já parecia profundamente injusto, pela generosidade dos benefícios, agora torna-se alvo de fortíssimo ataque, com muitas manifestações pela sua anulação.

    O que acontecerá, porém, com as provas já produzidas por Joesley Batista? Para responder a essa pergunta, é preciso fazer a distinção entre anular um acordo e descumpri-lo.

    Depois, devemos diferenciar as espécies de provas produzidas pelo delator: de um lado, documentos por eles fornecidos; de outro, as declarações por ele prestadas.

    A delação premiada tem uma natureza contratual, com obrigações recíprocas para ambas as partes. Diante da importância do seu conteúdo, a liberação de sua eficácia jurídica depende de uma prévia verificação.

    Firmado o acordo, caberá ao juiz analisar a regularidade, a legalidade e a voluntariedade do mesmo. Caso contenha cláusulas ilegais ou seja, por exemplo, obtido mediante coação, o juiz não o homologará e seu valor jurídico será nulo.

    Por outro lado, sendo homologado, há um reconhecimento judicial de sua validade, o que não se confunde com o valor probatório da palavra do delator e das provas por ele produzidas, que deverão ser valoradas pelo magistrado, ao final do processo.

    Mesmo depois de validado, é possível a anulação do acordo de delação premiada, desde que se descubram fatos novos, normalmente anteriores à sua homologação, que o tornem ilegal.

    Situação diversa é aquela em que um acordo homologado é descumprido por uma das partes. Inadimplida uma ou mais cláusulas, a validade não será afetada. O acordo não se tornará nulo. A consequência será, para a parte que o violou, a perda do direito aos benefícios previstos.

    Se for comprovado que Joesley Batista e Ricardo Saud mentiram, deixando de revelar todos os fatos criminosos de que tinham conhecimento, o próprio acordo prevê que perderão a imunidade processual antes concedida.

    Poderão ser investigados e processados pelos atos por eles praticados, em relação aos quais, até então, não puderam ser perseguidos criminalmente. Caso condenados, não terão qualquer atenuação de suas penas.

    Mesmo nesse caso, todas as provas fornecidas pelos colaboradores inadimplentes continuarão válidas.

    Além de o acordo assim o prever, elas foram obtidas de forma lícita, sem violar lei processual ou material. Aliás, foram espontaneamente fornecidas por eles.

    Todavia, é importante fazer uma distinção: os documentos (comprovantes de transferências bancárias, contratos, recibos de doações etc.) continuam plenamente legítimos e com a mesma importância para demonstrar a verdade dos fatos.

    As declarações de Joesley Batista e Ricardo Saud também continuam legais, tanto na parte em que confessam seus crimes quanto naquelas outras em que acusam terceiros.

    Neste último aspecto, contudo, ainda que formalmente válidas, seu peso probatório será praticamente nenhum. Os colaboradores terão seus acordos rescindidos porque mentiram.

    Emitiram nota pública reconhecendo que faltaram com a verdade. O teor escandaloso das conversas revela que são pessoas capazes de qualquer coisa para obter benefícios pessoais. Quem acreditaria neles?

    PARTICIPAÇÃO

    GUSTAVO BADARÓ, advogado, doutor em direito pela USP, é professor livre docente de direito processual penal na mesma universidade

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