• Opinião

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    GILBERTO MARINGONI

    Diplomacia da irrelevância

    23/09/2017 02h00

    Ricardo Zuniga/Associated Press
    Foreign ministers from left, Aloysio Nunes of Brazil, Jorge Faurie of Argentina, Heraldo Munoz of Chile, Eladio Loizaga of Paraguay and Peruvian Hugo de Zela Chief of Staff of the General Secretariat of the Organization of American States speak to the media after a meeting to discuss the crisis in Venezuela on Wednesday, Sep. 20, 2017, in New York. (AP Photo/Ricardo Zuniga) ORG XMIT: NYR103
    O chanceler brasileiro, Aloysio Nunes (1º à esq.), em declaração à imprensa após reunião sobre a crise política na Venezuela com outros colegas da América do Sul

    O Brasil poderia ser um importante ator na promoção do diálogo entre governo e oposição na Venezuela. Vale ressaltar: poderia se deixasse de lado a diplomacia de botinadas que adotou em relação ao vizinho e parasse de se colocar, a partir de fora, como parte interessada em disputa que não é sua.

    Mesmo assim, seria difícil ao atual governo brasileiro -fruto de um golpe parlamentar- ter autoridade para falar em democracia fora de casa, quando não respeita a representação popular na sua.

    Logo que se apossou do poder, o governo de Michel Temer empreendeu uma virada conservadora em várias áreas, entre elas a política externa.

    O primeiro servidor de Temer para a área, José Serra, ainda em maio de 2016, criticou asperamente os governos de Venezuela, Cuba, Equador e Bolívia, além do secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, ex-presidente da Colômbia. Todos haviam manifestado estranheza com o golpe no Brasil.

    Dois meses depois, Serra se movimentou junto à Argentina e ao Paraguai, visando a impedir que a Venezuela assumisse a presidência pró-tempore do Mercosul.

    O posto é rotativo e exercido sucessivamente pelos membros, em ordem alfabética.

    O próprio Temer veio a público se explicar: "É preciso cumprir com os requisitos pactuados há quatro anos, que [a Venezuela] ainda não cumpriu". Outros membros não subscrevem todos os protocolos e requisitos do bloco, mas não tiveram seus direitos questionados. O presidente ainda manteve contato com a oposição interna.

    Logo após tomar posse no Itamaraty, em março, Aloysio Nunes Ferreira sentenciou: "A Venezuela é uma ditadura". A frase tem endereço certo: o país estaria descumprindo a clausula democrática do Mercosul, que impõe veto a qualquer membro que apresente "ruptura da ordem democrática".

    Curiosa lógica: o chanceler de um governo golpista decide brandir normas de conduta democrática sem levar em conta o que se denomina "lugar de fala". Em agosto, a Venezuela foi suspensa.

    A iniciativa se soma à diplomacia do porrete de Donald Trump, que aumentou o cerco econômico e, num excesso verbal, aludiu a uma hipotética intervenção militar.

    A Venezuela enfrenta grave crise econômica, motivada pela queda do preço do petróleo. O país não conseguiu diversificar seu parque produtivo para escapar das armadilhas de uma economia de enclave que vive ao sabor das oscilações de um único produto no mercado mundial.

    O câmbio é extremamente volátil e praticamente fez evaporar a moeda nacional. Diante das turbulências, a disputa pelo poder se acirrou, e o país vive uma polarização de consequências imprevisíveis.

    Tendo realizado quase uma eleição por ano em duas décadas, eliminado o analfabetismo e melhorado todos os indicadores sociais até o início da crise, é preciso forçar muito a realidade para chamar a Venezuela de ditadura-como, aliás, esta Folha faz.

    Pelo peso internacional que apresenta -quase 40% do PIB da América Latina-, o Brasil poderia desempenhar um importante papel na promoção do entendimento.

    Na década passada, ações de Fernando Henrique Cardoso e de Lula foram fundamentais para ajudar a garantir um caminho democrático na região.

    Metendo os pés pelas mãos, o Brasil se torna irrelevante, fomenta a discórdia e age como país que "fala grosso com a Bolívia e fino com os Estados Unidos", como uma vez definiu Chico Buarque. Já fez mais e melhor e deve voltar a fazê-lo.

    GILBERTO MARINGONI é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC e autor, entre outros, de "A Venezuela que se inventa - Poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez" e "A revolução venezuelana"

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