• Opinião

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    MARIO D'ANDREA

    Nada é de graça e, se for, desconfie

    26/09/2017 02h00

    Julio Cortez/Associated Press
    In this Friday, Jan. 20, 2017, photo, Pat Winters Lauro, a journalism professor at Kean University in Union, N.J., leads a class discussion talking about fake news. Teachers from elementary school through college have been ramping up media literacy training to recognize bogus reports and understand their potential to weaken civic culture. (AP Photo/Julio Cortez) ORG XMIT: NJJC201
    Professora de jornalismo em universidade nos EUA dá aula sobre 'fake news'

    Desculpe, mas a Muralha da China não é vista da Lua. E a tomada do padrão antigo não vai voltar. Se você algum dia acreditou em notícias falsas como essas, eu sei como elas chegaram até você: de graça, por meio das redes sociais, de sites gratuitos de "notícias".

    Informação de qualidade não tem como ser de graça, pois existe algo inexorável no mundo da comunicação: conteúdo de qualidade custa. Jornalismo custa. E alguém precisa pagar a conta.

    No Brasil, por décadas, a liberdade -e a qualidade- do jornalismo foi garantida por um modelo que se viu ameaçado nos últimos anos.

    O modelo funciona assim: clientes contratam agências de propaganda, que anunciam nos veículos, que, por sua vez, podem investir em jornalismo isento, contratando bons profissionais. Tudo isso garantido pelo Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão) e pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).

    Por que esse modelo é tão importante? Senta, que lá vem listão.

    Primeiro: ele garante o fortalecimento das agências e a qualidade do conteúdo da propaganda.

    E propaganda de qualidade fortalece a audiência do veículo, que, por sua vez, garante audiência qualificada para o cliente. Um ganha-ganha, entendeu?

    Segundo: a publicidade ajudou a garantir a independência econômica (que traz a independência de opinião) dos veículos de comunicação.

    Terceiro: países onde a imprensa não recebe investimento privado e depende do governo têm a sua democracia ameaçada. Exemplo bom (ou ruim): Venezuela.

    Mas veio a revolução das redes sociais e todo mundo virou youtuber, blogueiro, "digital influencer". O investimento publicitário começou a migrar para esses novos canais, muito mais pulverizados.

    Ao contrário do que se sonhava nas faculdades de jornalismo, essa revolução não democratizou a informação, popularizando os meios de comunicação. Na verdade, ela sucateou a informação e ameaçou o jornalismo de verdade.

    As fontes de "fake news" foram se espalhando, impulsionadas por "likes" e compartilhamentos. O Enem vai ser cancelado? Compartilha! Aquele fast-food usa carne de cachorro? Compartilha!

    De compartilhamento em compartilhamento, notícias falsas -como as do suposto apoio do papa a Donald Trump e do ônibus cheio de imigrantes sírios chegando ao Reino Unido- ajudam a eleição do topete bilionário nos Estados Unidos e a vitória do "brexit".

    Agora, o mundo percebeu que as "fake news" não eram tão inofensivas assim. E essa reflexão começou, aos poucos, a trazer resultados. Os mais espertos passaram a procurar fontes melhores para se informar.

    Nos EUA, o hábito de leitura de jornais tradicionais, na versão impressa ou digital, aumentou entre as faixas etárias mais jovens.

    Aqui, os 11 maiores jornais registraram crescimento de 16,6% em assinaturas digitais no ano passado, segundo o IVC (Instituto Verificador de Comunicação).

    Com a volta dos assinantes, uma verdade fica cada vez mais clara: o que é de graça não funciona. Anunciantes e clientes estão aprendendo isso com os consumidores. Conteúdo de qualidade custa. Mas é uma ótima relação custo-benefício. Benefício para o mercado e para a sociedade. Simples, não?

    MARIO D'ANDREA é presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) e presidente do grupo Dentsu Creative

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