• Opinião

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    JORGE ZAVERUCHA

    O artigo 142 da Constituição de 1988

    27/09/2017 08h00

    Divulgação/Exército Brasileiro
    Comandante Militar do Sul, General de Exército Antonio Hamilton Martins Mourao. Foto: Divulgacao/Exercito Brasileiro ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O general Antonio Hamilton Mourão, que sugeriu intervenção das Forças Armadas

    Recentemente, o general Antonio Hamilton Mourão alertou para um possível golpe militar. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, justificou sua fala. Baseou-se no artigo 142 da Constituição Federal, que disciplina o papel das Forças Armadas. Qual a importância deste artigo na explicação deste imbróglio?

    Na primeira versão do artigo 142, os constituintes, em 1987, retiraram dos militares o tradicional papel de guardiães da lei e da ordem. Nenhuma Constituição democrática confere esta prerrogativa aos militares. O ditador chileno Augusto Pinochet seguiu o padrão brasileiro na sua Constituição. Com a transição, os chilenos aboliram esse poder.

    Numa democracia, Forças Armadas não garantem nem os Poderes constituídos nem a lei e a ordem. É exatamente o reverso.

    A tentativa dos constituintes irritou o então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves. Ele ameaçou zerar todo o processo constituinte, caso a decisão não fosse revista.

    Posteriormente, comentando o ocorrido, o ex-ministro Jarbas Passarinho afirmou que a esquerda, "decidida a se vingar da contrarrevolução de 1964, empenhava-se em retirar das Forças Armadas a responsabilidade da ordem interna".

    Ao contrário da elite chilena, os constituintes brasileiros acharam por bem acomodar. O papel de garantidores da lei e da ordem voltou a aparecer na nova versão do referido artigo.

    Para que tal capitulação ficasse dourada, o Congresso optou por conceder tanto ao Judiciário quanto ao Legislativo o direito de pedir a intervenção das Forças Armadas em assuntos domésticos. Que foi posteriormente alterado pela Lei Complementar n. 69, de 1991.

    Tal lei restabeleceu a cláusula constitucional da Constituição de 1967/69, concedendo apenas ao Executivo o direito de pedir intervenção interna.

    O artigo 142 diz que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

    Mas, logicamente, como é possível se submeter e garantir algo simultaneamente? Segundo Giorgio Agamben, "o soberano, tendo o poder legal de suspender a lei, coloca-se legalmente fora da lei".

    Portanto, cabe às Forças Armadas o poder soberano e constitucional de suspender a validade do ordenamento jurídico, colocando-se legalmente fora da lei.

    O artigo 142 é ambíguo. Pode ser interpretado de modos distintos, de acordo com os interesses dos atores envolvidos. A raiz do problema é saber quem define o que é ordem e que tipo de lei, ordinária ou constitucional, as Forças Armadas devem supostamente defender.

    Ordem não é um conceito neutro, e sua definição operacional em todos os níveis do processo de tomada de decisão política envolve escolhas que refletem as estruturas políticas e ideológicas dominantes.

    Portanto, a noção de (des)ordem envolve julgamentos ideológicos e está sujeita a estereótipos e preconceitos sobre a conduta (in)desejada de determinados indivíduos.

    Se um sistema político encontra-se em crescente estado de decomposição e o país à deriva, como devem se comportar as Forças Armadas à luz do artigo 142?

    E se este mesmo sistema apresenta baixa legitimidade, levando pessoas a procurem forças externas para lutar contra ele? E caso o governo estiver perdendo sua capacidade de mediar conflitos?

    Havendo um caos social que possa desaguar numa guerra civil, devem as Forças Armadas ficar inertes? Não há uma resposta clara. O melhor que as elites civis poderiam fazer é alterar a redação do artigo 142. Estão dispostas a pagar os custos disso?

    JORGE ZAVERUCHA é doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago e professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco

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