• Opinião

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    DANIEL SARMENTO

    Dois pesos e duas medidas?

    07/10/2017 02h00

    Pedro Ladeira/Folhapress
    BRASILIA, DF, BRASIL, 04-07-2017, 16h00: O senador Aecio Neves (PSDB-MG) discursa no plenário do senado ao voltar à casa após seu afastamento do cargo por força de decisão do ministro do STF Edson Fachin Uma decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello devolveu o cargo à Aecio na semana passada, tendo sido hoje seu primeiro dia no senado após a decisão. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
    O senador Aecio Neves (PSDB-MG), que foi afastado do cargo por decisão do STF

    A primeira turma do STF decretou medida cautelar, afastando temporariamente o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do exercício do seu mandato. A decisão, tomada por maioria de votos, ocorreu em inquérito que apura graves crimes supostamente cometidos pelo senador.

    O afastamento foi determinado porque os ministros vislumbraram o risco de Aécio se valer do cargo para atrapalhar as investigações da Lava Jato e cometer outros delitos.

    Do meio político vieram raios e trovoadas. O Senado ameaça descumprir a ordem judicial e já marcou sessão para apreciar o afastamento. Para diminuir a temperatura da crise, o STF se apressou em agendar para o próximo dia 11 de outubro o julgamento, pelo plenário, de ação direta de inconstitucionalidade em que se discute, em tese, a possibilidade de afastamento de parlamentar, por meio de medida cautelar penal.

    Todas as apostas são no sentido de que o plenário reverterá a decisão da primeira turma.

    O tema de fundo do debate não é simples, pois a Constituição não autoriza nem veda expressamente o afastamento judicial de membros do Legislativo.

    O texto constitucional estabelece, porém, que deputados e senadores não podem ser presos antes do trânsito em julgado de decisão condenatória, salvo o caso de flagrante de crime inafiançável, hipótese em que a respectiva Casa legislativa tem como desautorizar a prisão (art. 55, § 2º).

    Para alguns, isso significa que o STF não pode afastar cautelarmente qualquer parlamentar. Ou que, no mínimo, se decretar medida dessa natureza, o Supremo tem de submetê-la imediatamente à apreciação da Casa competente do Congresso. Tal corrente invoca o princípio da separação de Poderes e acusa de "ativista" a decisão judicial que afastou o senador mineiro.

    Outra linha afirma, com maior razão, que o regime republicano não tolera privilégios nem compactua com a impunidade. Por isso, devem ser interpretadas restritivamente as normas que criam embaraços políticos à responsabilização judicial de autoridades públicas.

    Se o Poder Judiciário pode decretar medidas cautelares penais contra cidadãos comuns, deve poder fazê-lo também contra parlamentares, a não ser nos casos em que haja expressa vedação na própria Constituição.

    Embora o texto constitucional estabeleça limites à prisão de integrantes do Legislativo, não proíbe a imposição de outras medidas cautelares, como o afastamento do mandato. Portanto, tais medidas são legítimas.

    Essa interpretação é mais afinada com valores básicos da Constituição de 88, como igualdade e república. Além disso, ela é a que mais se harmoniza com legítimos anseios sociais de combate à corrupção e à impunidade, e de limitação aos privilégios dos poderosos.

    Outro dado fundamental é que o próprio plenário do STF já decidiu, por unanimidade, que a corte pode afastar parlamentar por meio de medida cautelar penal, sem necessidade de submissão do ato ao Legislativo. Isso ocorreu há pouco mais de um ano, no julgamento que resultou no afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

    Com uma única exceção, a composição do STF mantém-se a mesma. O que mudou de lá para cá, que possa justificar a provável guinada do STF? Aparentemente nada, a não ser a estridência dos gritos vindos do Congresso. Resta então a pergunta, um tanto constrangida: pau que bate em Chico baterá também em Francisco?

    DANIEL SARMENTO é advogado e professor-titular de direito constitucional da UERJ

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