• Opinião

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    COLETTE CAPRILES

    O voto-refém

    20/10/2017 02h00

    Francisco Bruzco - 15.out.2017/Xinhua
    (171016) -- CARACAS, Oct. 16, 2017 (Xinhua) -- People wait at a polling station in the Sucre municipality of Miranda State, Venezuela, on Oct. 15, 2017. The ruling United Socialist Party of Venezuela won 17 of 23 state governorship in Venezuela's regional elections, announced the National Electoral Council late on Sunday. (Xinhua/Francisco Bruzco) (djj)
    Eleitores venezuelanos esperam para votar em centro eleitoral em Sucre, Estado de Miranda

    A mais importante pergunta política que decorre dos resultados das eleições regionais venezuelanas é se a fotografia obtida é um retrato do país.

    A resposta breve é "não", e as consequências são graves. A população teria votado majoritariamente pelos candidatos do governo mais mal avaliado da história, enquanto se satisfazia por ter mentido maciçamente em todas as pesquisas de opinião conhecidas.

    Seria, ademais, um desafio sem precedentes à ciência política: um país sob hiperinflação, doente, desnutrido e empobrecido teria expressado irracionalmente sua vontade de continuar assim. Os 30% que, de acordo com todas as medições, se definiam como chavistas antes do último dia 15 teriam se convertido subitamente em 54%, tingindo de vermelho o mapa do país.

    No entanto, há, sim, explicações racionais para entender o ocorrido. Vou resumi-las em uma: a ativação da fábrica de manufatura do "voto cativo". Um maquinário que produz votos para o governo, ao passo que impede os da oposição.

    Esse complexo artefato vem se aperfeiçoando desde 2012, e os êxitos obtidos pela oposição nas diferentes eleições desde então dependem de sua capacidade de neutralizá-lo.

    O governo de Nicolás Maduro aprendeu a lição das legislativas de 2015, quando a oposição obteve 57% dos votos e dois terços da Assembleia Legislativa.

    Além de instaurar uma crise tentando anular a eficácia da Assembleia (e do voto como instrumento de alternância política), o governo buscou reconstruir o maquinário com dois objetivos: maximizar a participação dos 30% chavistas e a abstenção dos opositores.

    Enquanto a máquina não estava em pleno funcionamento, não se convocaram eleições. E o pleito ilegal e inconstitucional da Assembleia Constituinte, que não foi outra coisa senão alguns comícios internos do chavismo, se tornou um ensaio geral do aparato.

    Como descrevê-lo? É uma máquina biopolítica, diriam os filósofos. Trata-se de uma teia de mecanismos de coerção, controle e assistência social que começa pelo mais elementar: o acesso à alimentação.

    A rede de distribuição de alimentos subsidiados e o sistema de subsídios diretos, que são a única defesa dos mais vulneráveis ante a catástrofe econômica, deixaram de estar associados à militância do Partido Socialista Unido da Venezuela para se tornarem uma operação militar estratégica que envolve milhões de pessoas.

    O "carnê da pátria", cartão que gere esses benefícios, serve como registro de eleitor.

    O outro extremo do aparato é composto por milícias e grupos paramilitares chamados "coletivos", que ajudam o eleitor a "decidir" em quem votar e obstruem violentamente a atividade dos observadores da oposição.

    O círculo de dependência e coerção é o grande motor da máquina, junto com os aparelhos auxiliares: o Conselho Nacional Eleitoral e o Tribunal Supremo de Justiça, cúmplices obedientes da política eleitoral do governo.

    De fato, porém, os requisitos para o ótimo funcionamento da máquina se completaram com a crise interna da oposição. A falta de eficácia da estratégia seguida desde abril -fazer pressão doméstica para antecipar uma transição política- agravou as diferenças entre os dirigentes e decepcionou o eleitorado opositor. Parte dele se absteve de votar como forma de protesto.

    A campanha do governo consistiu em promover a abstenção ao insistir que os governadores opositores seriam neutralizados política e financeiramente. O sistema eleitoral da Venezuela está desenhado para impedir a mudança política.

    A luta é recuperar a eficácia do voto como instrumento de expressão da maioria e buscar uma saída pacífica para a catástrofe em que o chavismo converteu o país.

    COLETTE CAPRILES é psicóloga social, professora de ciências sociais e teoria política na Universidade Simón Bolívar e consultora política; não tem parentesco direto com Henrique Capriles, líder opositor e ex-candidato à Presidência da Venezuela

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