• Opinião

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    JULIANO MARANHÃO

    Censura ao anonimato na internet?

    08/11/2017 02h00

    Gerard Julien/AFP
    Esta foto de arquivo realizada em 09 de outubro de 2015 mostra uma tela de computador exibindo a página do Facebook com as novas opções de "Reações" como uma extensão do botão "como", para dar às pessoas mais maneiras de sinalizar facilmente como elas se sentem. O Facebook foi multado em 1,2 milhões de euros em 11 de setembro de 2017 por um responsável espanhol pela proteção de violações das leis de privacidade.
    Suspensão de conteúdo falso ou ofensivo por provedores de internet foi vetada

    A suspensão de conteúdo falso ou ofensivo pelos provedores de internet levanta um tema interessante, que se perdeu nos debates que levaram ao seu veto no projeto de reforma eleitoral.

    Determinava-se aos provedores a suspensão do conteúdo denunciado pelo ofendido para que aqueles pudessem se certificar da "identificação pessoal" do usuário.

    O alvo, portanto, não era propriamente coibir o conteúdo, mas lidar com o anonimato e os chamados "perfis falsos", um desafio novo e ainda não bem resolvido no quadro normativo vigente.

    Com alusões a fantasmas do passado, tal proposta foi apontada como exemplo de "censura prévia", que é expressamente proibida pelo art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal de 1988. Porém, a mesma Carta prevê ser "livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato" (art. 5º, inciso IV).

    No passado, "censura" significava controle prévio sobre o conteúdo produzido por uma mídia centralizada, a partir de um discurso oficial.

    Mas, na internet, a produção de conteúdo tem como fonte os próprios usuários, sua divulgação é instantânea e se dá em ambiente virtual, sem fronteiras nacionais. Portanto, não é fácil entender o que significa, hoje, "censura prévia", e seria superficial equiparar esse conceito à simples retirada ou suspensão de conteúdo na internet.

    O mesmo vale para "anonimato". O pressuposto, aqui, é a existência de apenas uma identidade real, física, que se oculta. Em ambiente centralizado, sua vedação era traduzida pela obrigação das empresas de mídia em identificar o autor do conteúdo.

    Mas, em espaço cuja arquitetura, descentralizada, foi desenhada para permitir o fluxo de informações, independentemente de quem comunica, tal obrigação perde o sentido prático.

    Mais do que isso, a internet acabou permitindo novas dimensões de construção de identidades e desenvolvimento da personalidade, baseadas em comunicações anônimas ou por perfis.

    O perfil, no ambiente virtual, tem uma dimensão de "realidade" inconcebível em 1988, e não é perfeitamente traduzido pelo conceito de pseudônimo, algo fictício em relação à identidade física, pressuposta como única real. É exatamente por ser virtualmente real que o "perfil falso" é nocivo.

    Portanto, o verdadeiro fantasma está em pensar a censura e o anonimato na internet a partir de conceitos fixados no passado, próprios para outras mídias.

    O anonimato, mormente aquele que se constrói por perfis na internet é, na verdade, um direito de qualquer indivíduo em suas comunicações. O dever de identificação é, ao pé da letra da Constituição, apenas condição para o exercício da liberdade de expressão e aparece somente quando uma manifestação pública de opinião puder causar danos a terceiros.

    Passado o calor da discussão, é importante lidar com o desafio dos perfis falsos, "fake news" e "hate speech" (discurso de ódio) sem dogmatismo.

    Uma vez admitido que tais conteúdos têm potencial lesivo à personalidade individual e à própria democracia, como mostraram recentes campanhas de desinformação em período eleitoral, é crucial encontrar o equilíbrio entre o controle do conteúdo lesivo ou identificação para responsabilização por abusos e as garantias de liberdade de expressão e de privacidade.

    O tema merece reflexão, mesmo quando nos opomos veementemente à censura.

    JULIANO MARANHÃO é professor da Faculdade de Direito da USP e pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt

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