• Opinião

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    PEDRO TELLES

    Clima de ilegalidade

    17/11/2017 18h00

    Ayrton Vignola/Folhapress
    ORG XMIT: 405201_1.tif Área desmatada em Moraes Almeida, no Pará, região da BR-163. As fronteiras da devastação na Amazônia estão se ampliando para além do arco do desmatamento. Segundo um levantamento inédito do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) obtido pelo jornal Folha de S.Paulo, pelo menos 15% da perda de cobertura florestal de 2001 a 2003 ocorreu numa faixa de 3.000 km que vai da Terra do Meio, no Pará, a Lábrea, sudoeste do Amazonas. (Moraes Almeida, PA, 17.05.2005. Foto de Ayrton Vignola/Folhapress. Digital)
    Área desmatada em Moraes Almeida, no Pará, região da BR-163

    O Brasil participou da 23ª Conferência do Clima da ONU na posição de devedor. Levamos para o evento que termina nesta sexta (17) na Alemanha um aumento de 9% nas nossas emissões de gases de efeito estufa, causadores das mudanças climáticas. Isso enquanto o mundo trabalha pela implementação do Acordo de Paris, firmado em 2015 e já transformado em lei no país, que demanda uma urgente redução dessas emissões.

    Não é novidade que políticas ambientais vão mal no país. Tornaram-se moeda de troca no Congresso em meio à crise política, sendo sacrificadas pelo governo em troca de votos de apoio da bancada ruralista.

    Como consequência, cresce a ameaça às nossas florestas, cuja destruição é a principal fonte nacional dos gases que aquecem o planeta. O retrocesso é tamanho que, pela primeira vez na história, o meio ambiente foi apontado como uma das principais razões de desaprovação ao presidente.

    Em meio a medidas de destaque como a extinção de reservas florestais e a anistia a grileiros, existe uma ameaça silenciosa: a degradação de florestas ligada à extração de madeira ilegal.

    Diferente do desmatamento, a degradação é definida pela perda da capacidade da floresta de realizar suas funções originais (como contribuir para o balanço climático, hídrico e de carbono), principalmente em razão do corte seletivo de árvores de interesse comercial e de queimadas intencionais.

    Emissões de gases de efeito estufa por degradação têm aumentado no mundo e já correspondem a um terço das emissões por desmatamento. Isso as torna parte importante da equação climática, mas, por uma brecha na metodologia de cálculo da ONU, essas emissões não entram nas contas oficiais que países precisam apresentar.

    No Brasil, as últimas estimativas são de 2013 e apontam para 5 mil km2 de floresta degradada por ano somente na Amazônia. Não há dados mais recentes, o que demonstra o descaso do governo com o assunto.

    Além de contribuir para o problema das mudanças climáticas, a degradação também afeta a biodiversidade e serviços ambientais prestados pelas florestas.

    Cerca de 70% das áreas degradadas na América do Sul são resultado de exploração madeireira. No Brasil, cerca de 80% dessa exploração ocorre de forma ilegal —e, mesmo nos casos de exploração legal, as técnicas utilizadas ainda provocam impactos significativos. A atividade exige infraestrutura como estradas e casas e quase sempre vem acompanhada de aumento do desmatamento.

    O governo faz pouco para endereçar o problema. Os processos de licenciamento e controle da atividade madeireira no Brasil ainda são pouco transparentes, e não atendem às premissas básicas de combater a ilegalidade e conferir garantia de origem ao produto. Para complicar, agências de fiscalização contam com orçamento cada vez menor.

    Para avançar no combate às mudanças climáticas, o país precisa reconhecer a prioridade devida à proteção de suas florestas. Nesse contexto, o combate à degradação é imperativo. Acesso público a dados atualizados seria o primeiro passo, bem como a informações detalhadas sobre a atuação do governo.

    Também urge integrar os diferentes sistemas que regem cadeias produtivas envolvendo madeira. E é necessário um plano para manejo comunitário desse recurso que permita a populações tradicionais e pequenos produtores gerar renda com uma atividade legal, séria e de baixo impacto.

    Enquanto isso não acontece, a madeira brasileira e as promessas do país na agenda das mudanças climáticas seguirão tendo uma mesma classificação: pouco confiáveis.

    PEDRO TELLES é especialista do Greenpeace em mudanças climáticas

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