• Opinião

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    FERNANDO DE MELLO FRANCO

    A revisão da restrição de altura dos edifícios de São Paulo pode trazer ganhos à cidade? NÃO

    18/11/2017 02h00

    Zanone Fraissat/Folhapress
    SAO PAULO/SP BRASIL. 17/02/2014 - Construcao de predios criou polemica com vizinhos e é investigada. Urbanista Candido Malta emitiu laudo afirmando que se os predios forem construidos poderao afetar a visao do monumento do Obelisco no Ibirapuera.(foto: Zanone Fraissat/COTIDIANO)***EXCLUSIVO***
    Construção de prédio na região do Ibirapuera, zona sul de São Paulo

    ALTURA DE PRÉDIOS NÃO ATINGE RAIZ DA QUESTÃO

    Está em ação a revisão da política urbana de São Paulo. Não se pode congelá-la, tanto que o marco regulatório garante mecanismos para seu aperfeiçoamento. A revisão é legítima, mas exige debate.

    A taxa de crescimento populacional está em queda. Estima-se que por volta de 2040 se estabilizará. Mas até lá a metrópole ganhará 2 milhões de pessoas. A expansão não pode mais invadir áreas de preservação ambiental sem agravar a insegurança hídrica. Há que se adensar sobre o já construído. Contudo, bairros consolidados pleiteiam o resguardo de suas características.

    A política urbana formula uma solução ao dilema. As áreas junto aos eixos de transporte público são vocacionadas ao adensamento. Como a expansão dessa rede está aquém do necessário, a medida não é suficiente. Para responder à escala da demanda há a Macroárea de Estruturação Metropolitana (MEM), constituída de territórios industriais subutilizados da orla ferroviária. Aí as oportunidades são vastas.

    A atual gestão afirma que as regras encarecem os produtos imobiliários, o que induzirá o espraiamento urbano. Um dos vilões seria a restrição da altura das edificações. É verdade que há restrição nos miolos de bairro, mas não é verdade que não existam áreas sem restrição, ou que não se deseje adensamento vigoroso. A intensificação do uso do solo é fundamental e está direcionada aos eixos e à MEM.

    Os projetos de lei Arco Tietê e Tamanduateí foram enviados à Câmara em 2016 justamente com esse propósito, mas foram retirados da pauta. Alega-se que sua escala é demasiadamente grande.

    Excesso de restrição e excesso de oportunidade coexistem contraditoriamente no discurso recente. A atual gestão opta por abandonar a transformação onde o patrimônio subutilizado é farto e o adensamento desejável, para se voltar aos bairros cujos moradores não o querem.

    Por que postergar o desenvolvimento da MEM e avançar sobre locais onde os votos foram majoritariamente para o atual prefeito, contrariando a própria base eleitoral?

    Não há evidência de que a liberação dos gabaritos vá mitigar o efeito da segregação espacial ou reduzir o preço final de venda dos imóveis —ainda que seja verdadeiro que reduza o custo de produção. Verticalização construtiva não é o mesmo que adensamento populacional. Não há correlação direta entre altura da edificação e acesso à cidade.

    A forte verticalização de bairros como Moema, Pinheiros ou Anália Franco, opostamente, gerou gentrificação. Tampouco os bairros verticalizados são os mais adensados. As periferias de morfologia horizontal é que o são.

    Esta gestão paralisa os trabalhos da Diretoria de Controle da Função Social da Propriedade e propõe a revisão dos instrumentos do IPTU Progressivo e da Peuc (Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios). O retorno ao mercado do volumoso estoque de imóveis subutilizados teria mais impacto na contenção do preço da terra e na inclusão do que o aumento do gabarito.

    Então, qual o propósito que justifica a revisão das regras? Nada indica haver um pleito dos movimentos de bairro de classe média pelo aumento de gabarito, menos ainda dos movimentos populares pelo esvaziamento da função social da propriedade. E tudo indica que essa revisão não qualificará a urbanidade ou reverterá a segregação.

    É provável haver bairros já verticalizados onde a restrição de gabarito não faça sentido. Mas elevar a altura dos edifícios é placebo que não atinge a profundidade dos problemas. O ideal seria priorizar a gestão de soluções efetivas.

    FERNANDO DE MELLO FRANCO, arquiteto e urbanista, é ex-secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo (2013-2016, gestão Haddad) e diretor do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos pela Metrópole)

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