• Opinião

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    ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, DEISY VENTURA E PEDRO DALLARI

    Regulamento pode desvirtuar nova Lei de Migração

    18/11/2017 08h00

    Avener Prado - 8.mai.2014/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL, 08-05-2014: Haitiano contratado por empresa para conversar com Haitianos e mostrar beneficios do emprego em uma fabrica de embalagem plasticas, na cidade de 3 lagoas, Mato Grosso do Sul. Missão Paz São Paulo. Há mais de 70 anos a Missão Paz de São Paulo, situada no bairro do Glicério, região central da cidade, marca presença junto aos migrantes, imigrantes e refugiados. Criada no final de 1939 pela congregação dos Missionários de São Carlos Borromeo - Scalabrianos, a missão reúne diversos serviços que contemplam desde a assistência ás necessidades mais imediatas dos migrantes, imigrantes e refugiados, abraçando as dimensões da fé, da cultura, da política e se estendo ao campo do estudo. (Foto: Avener Prado/Folhapress, FOTO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
    Em abrigo no Glicério, centro de SP, haitiano apresenta vagas em fábrica para compatriotas

    Quase 30 anos após a promulgação da Constituição Federal, está prestes a ser revogado o "Estatuto do Estrangeiro" (Lei nº 6.815, de 1980), um dos mais nefastos "entulhos autoritários" (normas ditatoriais persistentes na ordem democrática), que vinha sobrevivendo à lenta, e cada vez mais precária, decantação do direito brasileiro em direção à democracia.

    A nova Lei de Migração (Lei nº 13.445, de 2017) entrará em vigor no próximo dia 21 de novembro. Construída por meio do diálogo entre parlamentares, agentes públicos e organizações sociais, foi aprovada por unanimidade pelo Senado Federal, o que constitui importante feito em tempos de intensa polarização política.

    Ela representa um significativo avanço no que diz respeito à proteção dos direitos dos migrantes no Brasil, até então submetidos a um regime jurídico precário, incompatível com a ordem constitucional e com os compromissos internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro.

    Assim, apesar de limitada por um significativo número de vetos apostos pela Presidência da República, a nova lei também representa um importante trunfo para a imagem internacional do Brasil, tão combalida pelas sucessivas crises que o país tem enfrentado.

    De um país que se pretende inserido na economia global e confiável em suas relações internacionais não se poderia esperar menos do que uma legislação migratória moderna e atraente, comprometida com as obrigações assumidas pelo Brasil por meio dos tratados de direitos humanos vigentes em solo pátrio.

    No entanto, ao final do último mês de outubro, a área técnica do governo federal apresentou proposta de decreto de regulamentação da nova lei que causou perplexidade e grande apreensão.

    Composta por 318 artigos que, de modo geral, desvirtuam o espírito da nova lei, dita proposta constitui uma grave ameaça a importantes avanços, tanto no que se refere aos direitos dos migrantes como no que tange à capacidade do Estado brasileiro de formular políticas adequadas em relação a essa relevante matéria.

    Submetida a uma brevíssima consulta pública, encerrada recentemente, tal proposta foi alvo de numerosas críticas formuladas por especialistas, entidades sociais e instituições que se ocupam do tema em nosso país.

    Em síntese, a regulamentação sugerida, se adotada, contribuirá para a criminalização da migração, promoverá a erosão de direitos consagrados na nova lei e instituirá obstáculos injustificáveis à regularização migratória.

    Os autores da proposta demonstram não ter compreendido que o incentivo à regularização migratória é um requisito fundamental para a segurança nacional, eis que a entrada e a permanência regulares no Brasil dificultam a ação de redes criminosas.

    É fundamental, portanto, que o governo brasileiro demonstre abertura e sensibilidade diante das críticas formuladas e reapresente uma proposta de decreto que seja compatível com o espírito da nova lei.

    Causaria dano irreparável ao interesse público que sua regulamentação fosse alvo de longas e extensas batalhas judiciais, gerando insegurança jurídica para os migrantes e todos os que com eles se relacionam.

    O governo brasileiro deve reconhecer no interesse público o seu próprio interesse, garantindo uma regulamentação à altura da grande conquista nacional que representa a nova Lei de Migração.

    ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, 48, DEISY VENTURA, 50, e PEDRO DALLARI, 58, são professores da USP e integraram a Comissão de Especialistas constituída pelo Ministério da Justiça que teve a finalidade de elaborar uma proposta de Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil (2013-2014)

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