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    LUIZA NAGIB ELUF

    Feminicídio

    29/11/2017 02h00

    Pedro de Paula/Futura Press/Folhapress
    Marcha das Vadias levanta bandeira contra feminicídio em ato no Recife (PE). Com saída da Praça do Derby, a Marcha das Vadias partiu na tarde deste sábado (27)
    Protesto da Marcha das Vadias contra o feminicídio, no Recife

    Desde que as primeiras ideias sobre a criação do crime de feminicídio aportaram no Brasil, vozes discordantes se insinuaram no horizonte. É difícil de acreditar que um novo tipo penal —necessário e importantíssimo para uma sociedade que se propõe a ser justa e igualitária— destinado a punir o assassinato de mulheres por motivos patriarcais, tenha recebido críticas tão estapafúrdias em lugar de aclamação.

    O feminicídio se tornou crime no Brasil a partir de março de 2015, com a sanção da Lei nº 13.104/15. Com isso, acreditamos que a polêmica anterior à criação da lei estivesse encerrada, mas, surpreendentemente, não foi assim.

    Por incrível e injustificável que possa parecer, algumas vozes ainda se levantam tentando retroceder ao passado, a ponto de se criar um abaixo-assinado em redes sociais pedindo a revogação do crime de feminicídio. Por quê? Não há resposta razoável para isso, mas há muita ignorância nessa polêmica.

    Alguns indagam por que matar uma mulher seria mais grave do que matar um homem; outros alegam que o termo feminicídio não existe no dicionário da língua portuguesa; os demais querem simplesmente que o tal feminicídio desapareça do mapa do Brasil.

    Para compreender melhor o que significa o tipo penal, é importante que o intérprete se coloque sob a perspectiva de gênero. O texto legal não contém a palavra "gênero", mas é disso que se trata. Existe, hoje, o preconceito contra o termo, que na lei foi substituído por "sexo", mas matar mulher, por ela ser mulher, é questão de gênero que ameaça todas as mulheres ao mesmo tempo.

    Nosso Código Penal não diz que matar mulher seria pior do que matar homem. Para se configurar o feminicídio, não basta a vítima ser mulher. O que caracteriza a mencionada conduta é matar mulher "por razões da condição de sexo feminino" (art. 121, § 2º, VI, do CP).

    O que define o feminicídio é o motivo do crime. Assim, é preciso que uma mulher seja assassinada somente porque é mulher —se fosse homem, não teria morrido nas mesmas circunstâncias. Trata-se da morte decorrente de violência doméstica e familiar (ver Lei Maria da Penha), calcada no menosprezo à condição de mulher em nossa sociedade e no sentimento masculino de dominação.

    O feminicídio, da forma como consta do Código Penal, consiste em uma qualificadora do homicídio, caracterizada pelas razões que moveram seu autor. Insere-se dentre as formas de agir que tornam o assassinato mais abjeto, mais reprovável, com pena maior, tendo em vista que uma mulher morreu porque seu algoz se julgou muito superior a ela, com mais direitos.

    Se uma mulher é morta numa briga de trânsito (hipótese comum aos homens, mas rara na população feminina), provavelmente não será feminicídio, e sim um homicídio.

    É preciso contabilizar corretamente o porquê e como morrem as mulheres no Brasil. O crime específico, agora em vigor, tornou possível a elaboração de estatísticas precisas sobre a morte de mulheres e sobre a violência doméstica.

    Está claro que a criação de uma nova definição criminal no ordenamento jurídico penal brasileiro não se mostra desnecessária, inócua ou prejudicial. Ao contrário, trata-se de uma medida esclarecedora, educativa e inibidora de assassinatos em massa, tornando estatisticamente computável algo que até então estava oculto sob o manto da palavra genérica "homicídio".

    Os maiores massacres da história humana não precisam de mísseis ou bombas. O patriarcado torna os homens armas de destruição em massa em relação às mulheres.

    LUIZA NAGIB ELUF é advogada criminalista e autora de sete livros, dentre os quais "A paixão no banco dos réus", sobre crimes passionais e feminicídio

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