• Opinião

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    AUGUSTO TARRADT VILELA

    O emprego da condução coercitiva tem sido abusivo? SIM

    16/12/2017 02h00

    Reprodução - 4.mar.2016
    Imagem da condução coercitiva de Lula, em março, divulgada pela defesa
    Imagem da condução coercitiva de Lula, em março de 2016, divulgada por seus advogados

    O MEDO DA (IN)JUSTIÇA

    O Brasil passa por um momento complexo para o direito penal. Há uma forte tendência expansionista, em que crimes de perigo abstrato passam a ser mais comuns, e medidas extremas, como prisões, medidas cautelares diversas e conduções coercitivas são vulgarizadas. Primeiro se aplica a força contra o cidadão, depois se pergunta.

    Esta crise deriva-se da insaciável sede de resposta à impunidade, algo que não está de todo errado, mas se deve ter cautela, pois os anseios podem autorizar abusos. O cidadão, ao permanecer inerte, acaba por abrir mão de direitos que foram conquistados após muita luta. Direitos esses que limitam o agir do Estado e seus atos excessivos.

    A relativização desses direitos tem concedido poderes indescritíveis às autoridades, resultando a não mais se reconhecer a autoridade do argumento, mas sim o argumento da autoridade: "Tenho o poder, por isso o faço".

    Exemplo disso é a banalização da condução coercitiva, a qual se tornou notória com acondução do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento perante a Polícia Federal. Lula não fora previamente intimado para prestar esclarecimentos; mesmo assim, foi conduzido coercitivamente.

    Casos semelhantes ocorreram nas operações que atingiram a UFSC e, recentemente, a UFMG, nos quais professores, também sem nem sequer terem sido intimados, tiveram sua condução coercitiva autorizada.

    O Código de Processo Penal, ainda com seus resquícios ditatoriais, prevê a possibilidade de condução coercitiva da vítima (art. 201, §1º), da testemunha (art. 218) e do réu (art. 260) quando, devidamente intimados, não comparecem diante das autoridades.

    A lei, então, exige dois requisitos já delimitados em julgados do STF para autorização da condução coercitiva: a intimação prévia regular para comparecimento ao ato e o não comparecimento injustificado.

    Ocorre que conduções coercitivas têm sido utilizadas de forma abusiva, não se respeitando limites legais e forçando o cidadão a comparecer em ato sem ter sido devidamente intimado para tanto, tolhendo-lhe o direito de tomar conhecimento sobre o que se trata previamente. Fala-se sobre o que não se sabe.

    Essas conduções converteram-se numa espécie de mecanismo mitigador do contraditório. Reduz o direito do cidadão em tomar ciência real dos fatos, seja para realizar sua defesa, seja para contribuir com o procedimento. É a violação pura à liberdade, à defesa, à Constituição.

    Se não bastasse, há quem legitime a condução coercitiva prévia, isto é, o cidadão é intimado a comparecer, no exato momento da intimação, perante autoridade para prestar esclarecimentos.

    Se ele se negar, para poder tomar conhecimento dos fatos e consultar seu defensor, no mesmo instante é levado coercitivamente, pois teria descumprido a intimação "anterior" e já há mandado judicial de condução expedido. É uma mistura de má-fé do Estado com arbitrariedade que culmina num "medo de Estado".

    O cidadão passa a temer as autoridades que estão ao seu serviço. Pior, teme aqueles que o julgarão, o que, na esteira do jurista italiano Luigi Ferrajoli, já seria o suficiente para demonstrar a ilegitimidade do próprio Poder Judiciário.

    É preciso que a comunidade entenda a importância de a lei ser cumprida por todos e para todos; se o Estado viola o direito de um, violará o de todos. Se não houver essa empatia, chegará o tempo em que todos serão levados, parafraseando Bertolt Brecht (1898-1956). A lei precisa ser cumprida.

    AUGUSTO TARRADT VILELA, advogado criminalista, é professor de direito penal e processo penal na Fesdep (Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul)

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