• Opinião

    Friday, 17-May-2024 03:32:17 -03

    JANAINA PASCHOAL

    Nem flores nem fuzis na segurança pública

    19/12/2017 02h00

    Pedro Ladeira - 30.ago.2016/Folhapress
    A advogada Janaína Paschoal fala no plenário do Senado durante o processo de impeachment de Dilma
    A advogada Janaina Paschoal, em discurso no plenário do Senado, em 2016

    Segurança pública não tem nada a ver com polícia, não é matéria afeta às faculdades de direito e constitui pleito elitista. Impossível desvendar a quem essas tão propaladas ideias atendem.

    Dizer que segurança pública nada tem a ver com polícia apenas legitima a inércia dos governantes, que não investem na contratação e treinamento de policiais, não importa de qual corporação se esteja a falar. Treinar significa dar acesso à teoria, mas também implica preparar para situações adversas.

    Apenas o contínuo preparo pode diminuir a letalidade nas ações policiais. E a letalidade preocupa tanto quando os policiais matam, como quando morrem.

    Igualmente equivocado resta afirmar que segurança pública não é disciplina a ser ministrada nas faculdades de direito. Ora, sem garantia à segurança pública, nenhum dos outros direitos fundamentais pode ser exercido. A falta de profissionais do direito com visão menos compartimentada, menos reativa e mais preventiva colabora para o caos vivenciado no país.

    No entanto, dos mantras que tomaram conta das discussões afetas à matéria, talvez o mais inaceitável seja o de que segurança pública constituiria pleito elitista.

    Há anos, insisto que as pessoas menos favorecidas são as que mais sofrem com a violência. O que está ocorrendo no Rio de Janeiro torna esse fenômeno mais visível.

    Há escolas, mas as crianças não as podem frequentar, dados os toques de recolher. Há postos de saúde, mas doentes e funcionários são obrigados a trabalhar sob símbolos utilizados pela Cruz Vermelha em áreas de guerra. Até há programas a facilitar a aquisição de unidades habitacionais; porém, assim que a família consegue sua residência é expulsa pela criminalidade.

    Parece incomodar lembrar que as pessoas mais suscetíveis a sofrer crimes patrimoniais são justamente as que dependem de transporte público e que as mulheres mais expostas a estupros são aquelas que saem, ainda escuro, para trabalhar.

    Inexplicavelmente, em meio aos estudiosos ainda tem força a tese de que, no Brasil, não há insegurança, mas sensação de insegurança. Adeptos dessa crença lidam com os 60 mil mortos por ano como uma ficção!

    O desdém daqueles que teriam voz para exigir ações efetivas acaba por criar espaço para discursos extremistas, nos quais se confundem medidas necessárias com expedientes que não passam de crimes. Sim, estamos testemunhando uma indesejável polarização.

    Nesse contexto, imperioso reafirmar que torturas e execuções não são e não podem ser meios de manutenção da segurança. Por outro lado, especialistas na matéria não podem mais se ocupar só da violência policial! Nessa seara, raramente se estabelece um diálogo.

    Soa óbvio, mas precisa ser dito: não há segurança pública sem preservação de direitos fundamentais. Entretanto não há possibilidade de usufruir direitos fundamentais sem segurança pública! Simples assim.

    Os discursos postos estão ultrapassados, e não se vislumbram esforços no sentido de se abrirem novas frentes. Em Portugal, Rui Pereira observa que nenhum país pode se orgulhar apenas de não violar garantias individuais, sendo necessário buscar efetividade.

    Essa é a visão de que o Brasil carece: trabalhar pela segurança pública, sem abrir mão de caras conquistas. Quem não consegue reconhecer a importância desses dois pilares não merece governar a nação. E esses dois pilares podem e devem ser conciliados.

    JANAINA CONCEIÇÃO PASCHOAL, 43, advogada, é professora livre-docente de direito penal na USP

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br

    Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024