• Opinião

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    MARICI FERREIRA

    O início, o fim e o meio

    19/12/2017 21h25 - Atualizado às 15h28

    Reprodução/Youtube
    Mamiferos Parmalat
    Campanha "Mamíferos", da Parmalat, que fez sucesso nos anos 90 e foi resgatada recentemente

    Li atentamente o artigo do professor Conrado Hübner Mendes intitulado "Publicidade infantil no interesse da criança?, publicado nesta Folha em 16/12. Conrado criticou meu artigo, publicado também por esta Folha em 13/12. Mantendo firme minha proposta de diálogo, acredito que Conrado me franqueou mais uma oportunidade para esclarecer meus pensamentos.

    Em nome da exatidão dos fatos, esclareço que o estudo a que se refere o artigo de Conrado não foi realizado pela revista "The Economist", mas sim pela Unidade de Inteligência da referida publicação, que, ao contrário do veículo jornalístico, aceita encomendas de estudos pagos.

    Os que tiveram a oportunidade de lê-lo viram que, ao final, nem a "Economist" nem aqueles que patrocinaram o estudo se responsabilizam por qualquer de suas conclusões. O estudo lembra que há uma carência de dados que comprovem enfaticamente a conclusão de que o banimento da publicidade de produtos e serviços destinados a crianças implicaria ganho econômico.

    Com isso, a própria existência do estudo pode ser questionada. Mais ainda, tal parecer parte de premissa falsa de que no Brasil existiria proibição da chamada publicidade infantil. Nesse ponto específico, Conrado e eu estamos de acordo: não existe tal proibição, embora ela esteja em discussão, como acontece agora neste espaço.

    Trata-se de uma definição equivocada que vem ganhando corpo em diversos setores da sociedade. Além disso, o parecer da Economist Intelligence Unit ignorou sonoramente o estudo econométrico feito pela GO Associados, que apontou o prejuízo de R$ 33 bilhões em produção em toda a cadeia, que vai da produção artística, passando pela agrícola e industrial, entre outros setores, caso a publicidade de produtos e serviços destinados a crianças fosse banida.

    Aqueles que afirmam defender a regulação da comunicação relacionada às crianças, na verdade, defendem uma ampla e, no meu sentir, inconstitucional proibição.

    Caso se tornasse norma, incluiria veto total à existência de produtos infantis, o que nem o legislador constituinte fez (e, com o devido respeito, não entendo que as restrições à liberdade de expressão tenham mudado significativamente nos últimos 20 anos).

    Aliás, não há produto licitamente vendido que tenha sua publicidade completamente proibida —nem mesmo o cigarro.

    A resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que não tem força de lei, mas embasa a argumentação dos defensores da proibição, classifica como abusivos o "excesso" de cores, trilha sonora infantil, presença de crianças e de personagens em qualquer tipo de comunicação, inclusive produtos e sua disposição nos pontos de venda —a pretexto de se preocupar com o público-alvo, quer restringir o discurso e a liberdade de criação artística.

    Não me consta, aliás, que a ONU e a OMS defendam o banimento da publicidade comercial de produtos e serviços destinados à crianças. Isso porque, em minha opinião, seria um problema diante do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que fala em liberdade de expressão e do direito de informar, informar-se e ser informado.

    Ora, a embalagem de um livro infantil, de um CD ou DVD são suas respectivas capas. Alguém consegue imaginar um produto para crianças sem essas características?

    Da maneira como está formulada a orientação, poderíamos muito bem ter de embalar tais produtos com papel pardo e carimbar neles a inscrição: cuidado, produto infantil. Enquanto isso, publicações com mulheres nuas na capa seguiriam ao lado sem nenhum tipo de restrição, muito embora elas também gozem de seu direito de livremente se expressar, como, inclusive, já decidiu a Suprema Corte dos Estados Unidos.

    Não falo apenas por mim, mas na qualidade de presidente de uma associação que hoje representa cerca de 350 empresas, geradoras de mais de 700 mil empregos diretos e indiretos —aliás, um detalhe ignorado pela The Economist—, pois não considera o impacto que a sua sugestão causaria na economia e na família de milhares de brasileiros.

    Para o estudo, essa desocupação é tratada como positiva, pois geraria tempo ocioso, que poderia ser dedicado ao lazer, ou algo assim. Entendo que a maioria dos brasileiros também discorda dessa premissa. Assim como Conrado, sou contra os abusos e a favor da autorregulamentação, citada como positiva por ele no artigo.

    Para que os abusos sejam punidos, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) tem aperfeiçoado constantemente seus códigos e canais de denúncia.

    Por não me conhecer, Conrado afirma que usei um argumento "maroto" para justificar minha posição sobre os caminhos que defendo. Jamais assumiria esse papel. O que escrevi é fiel aos fatos, mesmo que Conrado não concorde. O Brasil já possui hoje 22 normas que restringem a publicidade dirigida à criança, mais do que o Reino Unido, com 16 normas, e que os Estados Unidos, com 15.

    É um conjunto maduro, que tem evitado com rigor e agilidade os excessos. Quando não o faz —também uma exceção—, a própria sociedade o faz com o rigor da livre escolha. Os produtos licenciados são vistos como positivos por milhões de consumidores, que não gostariam de perder o direito de optar por eles, assim como quem não os aprecia, hoje, tem o direito de fazer outro tipo de escolha.

    A pergunta que lanço é: há, de fato, um problema com o status quo da publicidade de produtos e serviços dedicados ao público infantil? Ou se quer resolver as mazelas da sociedade por vias tortas, inócuas e inconstitucionais?

    Por isso, não de forma retórica, reforço o convite ao professor e a quem se interessar pelo tema para que possamos, com o diálogo, encontrar um caminho adequado. Ele verá, mais uma vez, que temos mais em comum do que pensa.

    Defendemos uma ampliação do diálogo em vez de uma proibição imposta. O caminho do meio busca evitar radicalismos. Em uma democracia, acredito ser esse o caminho adequado. Afinal, a teoria mais usada no Brasil entende, em consenso, que no caso de conflito entre direitos fundamentais o melhor caminho é, mesmo, o do equilíbrio, da ponderação e, talvez... do meio.

    MARICI FERREIRA é presidente da Abral (Associação Brasileira de Licenciamento) e diretora de redação das revistas "Zero a Três" e "Espaço Brinquedo", especializadas no segmento infantil

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