• Poder

    Monday, 29-Apr-2024 13:00:59 -03
    [an error occurred while processing this directive]

    Questões de Ordem: Fora da curva

    MARCELO COELHO
    DE SÃO PAULO

    27/02/2014 03h20

    Por pouco não acabava mal a sessão de ontem do STF, julgando os últimos recursos do mensalão. O presidente do tribunal, Joaquim Barbosa, mais uma vez foi perdendo a paciência. Na circunstância, entretanto, Barbosa tinha razão. O mais novo ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, encaminhava-se para livrar os réus da condenação pelo crime de formação de quadrilha.

    Até aí, não haveria grande surpresa. Quatro votos (Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia) já tinham sido dados, meses atrás, nesse sentido.

    Para esses ministros, Marcos Valério, Dirceu e companhia não constituíram um bando estável, dedicado a cometer crimes indeterminados, que pusesse em risco a "paz pública", como estabelece o Código Penal. Tratava-se apenas de uma junção de várias pessoas, com funções próprias, dedicada ao propósito da compra de votos parlamentares.

    A diferença entre uma coisa e outra, segundo o exemplo clássico do jurista Nelson Hungria, pode ser entendida se pensarmos no grupo de Lampião. A mera passagem do bando de cangaceiros por uma cidadezinha era suficiente, claro, para que ninguém pusesse os pés fora da porta de casa. Mesmo sem fazer nada, Lampião e seus comparsas ameaçavam o sossego geral; a mera existência do grupo já constituía um ato criminoso.

    Os mensaleiros, sem mensalão, não constituiriam ameaça nenhuma. Não eram "quadrilha", nesse sentido. Apenas o mensalão, e não algum modo de vida turbulento, fez com que se unissem ao longo de vários anos.

    Se quisesse, Barroso poderia somar-se aos que defendem essa tese, sem maiores inovações. Mas ele escolheu um caminho estranho.

    Primeiro, repetiu suas críticas ao sistema político brasileiro, que induz à corrupção. Era, naturalmente, mais um de seus acenos à opinião pública. Rememorou então um famoso artigo que tinha escrito antes de ser conduzido ao STF. O julgamento do mensalão, repetiu, era um "ponto fora da curva". Primeiro, porque políticos raramente são condenados no Brasil. Segundo, porque a severidade das penas foi fora do normal.

    Era o caso das penas relativas ao crime de quadrilha. Em alguns casos, chegaram perto do teto permitido pela lei. Mesmo para o crime de corrupção a dosimetria do STF tinha sido mais moderada.

    Barroso deu a entender que a corte exagerou para evitar a prescrição. É que, quando as penas são baixas demais, e muito longo o tempo transcorrido entre o crime e a condenação, o Estado perde o direito de punir o criminoso.

    A suposição de Barroso era razoável. Dito isso -o que aliás punha sob suspeita toda a decisão do plenário-, ele foi adiante. Calculou, numa hipótese teórica, a pena "real" que os acusados deveriam receber, caso o tribunal não tivesse exagerado na dose. Concluiu então que o caso da quadrilha estava prescrito.

    Veio o acréscimo espantoso: de todo modo, os réus não tinham cometido esse crime! Joaquim Barbosa esbravejava. Barroso mantinha a fleugma.

    Foi Cármen Lúcia quem apontou a incoerência de Barroso. Como calcular uma pena mais branda para o réu, se ao mesmo tempo se está absolvendo o mesmo réu? Se ele não cometeu nenhum crime, por que imaginar que sua pena deveria ser, "em tese", de tantos anos a mais ou a menos?

    Barroso queria reforçar a tese de seu artigo, no sentido de que as penas foram altas demais. Mas é possível que também não quisesse ficar com o estigma de quem virou o jogo.

    Era contra a condenação, mas não quis repetir a tese mais simples, e impopular, de que não houve quadrilha. Preferiu fazer cálculos meio fora de hora sobre as penas que deveriam ter sido e que não foram.

    Foi ele, na verdade, o "ponto fora da curva". Na prática, dava no mesmo: livram-se os réus do crime de quadrilha. Mas não se livrou Barroso da opinião que de fato tinha a esse respeito.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024