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    Aos 90, fotógrafo do STF coleciona histórias com Chatô, Che e Tancredo

    ALAN MARQUES
    DE BRASÍLIA

    09/03/2014 02h00

    Em meio ao clima sisudo do plenário do STF, chama atenção a figura de um fotógrafo baixinho, com uma risada enorme.

    Aos 90 anos, Gervásio Baptista não se intimida com o ambiente solene da Corte Suprema. Com a bagagem de quem cobriu a Guerra do Vietnã (1955-75), a Revolução dos Cravos em Portugal (1974) e foi fotógrafo da Presidência da República durante o governo de José Sarney (1985-90), transitar entre os togados não é problema.

    O início da carreira foi aos 15 anos, quando entrou para o jornal "Estado da Bahia" com uma câmera de chapa de vidro 9x12 e um flash "que colocava fogo em tudo". Não tinha nem um ano de casa quando foi pautado para fotografar Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, recebendo a Comenda do Vaqueiro, no interior do Estado.

    Um jumento tinha sido todo preparado com arreios coloridos e quatro homens levantaram Chateaubriand no colo para colocá-lo no lombo do bicho. Chatô vetou a publicação da imagem, mas acabou levando o jovem fotógrafo para trabalhar no Rio de Janeiro na revista "O Cruzeiro".

    No final da década de 50, já na revista "Manchete", Gervásio cometeu uma gafe quando pediu um cigarro a um médico argentino que estava em Cuba. Era Ernesto Che Guevara. O guerrilheiro soltou um palavrão e disse que cigarro era coisa de norte-americano e aquilo era um autêntico charuto cubano, "verdadeiro fumo de homem". A conversa acabou entre risos.

    Nem sempre a relação com fotografados foi assim, tranquila. Encarregado de cobrir a missa de 30 dias da morte do marido da ex-miss Brasil Marta Rocha, Gervásio descobriu já na igreja que a viúva tinha proibido a entrada da imprensa. Tentou se esgueirar pelo telhado do prédio, mas acabou despencando perto da beldade. Fez uma única foto, tomou um soco do sacristão e foi preso.

    O gosto pelo ângulo privilegiado o levou a subir em uma estátua de anjo durante o funeral do presidente Getúlio Vargas. Enquanto fotografava, sentiu uma pessoa puxando seu pé. "Rapaz, você vai cair daí", advertia o homem. "Qualquer coisa o senhor me pega", disse Gervásio para Tancredo Neves, na época ministro da Justiça.

    Mais de 30 anos depois, o então presidente eleito Tancredo estava internado no Hospital de Base de Brasília. Era necessário mostrar que Tancredo estava bem e tranquilizar o país. Foi Gervásio, amigo do presidente, o nome lembrado para fazer a imagem esperada por todos.

    Depois de fazer o trabalho, o fotógrafo pediu a Tancredo para acenar aos jornalistas de plantão, em frente ao hospital. O presidente não quis, mas prometeu que no sábado seguinte, quando recebesse alta, todos poderiam fazer fotos. Esse dia nunca chegou.

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