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    Grupo realiza 'escracho' na casa de ex-agente da ditadura em SP

    GABRIELA TERENZI
    DE SÃO PAULO

    01/04/2014 08h37

    Avener Prado/Folhapress
    Manifestantes picham muro da casa do ex-agento do DOI-Codi Aparecido Calandra, conhecido como Capitão Ubirajara
    Manifestantes picham muro da casa do ex-agente Aparecido Calandra, conhecido como Capitão Ubirajara

    O movimento Levante Popular da Juventude fez nesta terça-feira (1°) um ato de "escracho" em frente à casa do ex-agente do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna) Aparecido Calandra, conhecido como Capitão Ubirajara.

    Um grupo de cerca de 50 manifestantes cantou canções de protesto, distribuiu panfletos na vizinhança e pichou muros da residência do ex-agente e nas imediações.

    Calandra é acusado de torturar diversos opositores do regime em um dos principais centros do Exército no período da ditadura militar (1964-1985), o DOI-Codi, em São Paulo. Ele nega as acusações.

    Os manifestantes se reuniram no centro da cidade e seguiram de ônibus até o bairro Vila Carioca, na zona sul, onde mora Calandra, e começaram o ato por volta das 6h15.

    Segundo a integrante do Levante Popular Luiza Troccoli, o objetivo desse tipo de ato é expor agentes da tortura às suas vizinhanças e defender suas punições. "A gente quer dizer pra eles [ex-agentes] que nós não esquecemos a ditadura e as torturas que foram feitas. Nós continuaremos na rua enquanto for preciso para que os arquivos da nossa ditadura sejam abertos e os assassinos e torturadores sejam punidos", disse.

    A residência de Calandra fica em uma vila com cerca de dez casas, separada da rua por um portão. Inicialmente, os manifestantes se concentraram na entrada da vila, insistindo para que outros moradores destrancassem o portão. Eles grafitaram palavras como "aqui mora um torturador" e "ditadura nunca mais" no muro próximo de entrada do local.

    Não recebidos, os manifestantes arrombaram a tranca e entraram na vila, escrevendo mais dizeres e colando cartazes na casa de Calandra. Eles também distribuíram panfletos aos vizinhos em que estavam descritos os crimes do ex-agente. O ato durou aproximadamente 40 minutos. Calandra não foi visto no local.

    Os moradores da vila acionaram a polícia, mas ela chegou dez minutos depois que os manifestantes já haviam se dispersado. Ninguém foi detido.

    ESCRACHO

    Para chamar a atenção dos moradores, os manifestantes do Levante Popular da Juventude entoaram diversas canções de repúdio ao período da ditadura militar.

    "Desejo a todos os golpistas vida longa/Pra que eles vejam cada dia mais nossa democracia/Na ditadura é só tiro, porrada e bomba/Lei da Anistia tenta apagar nossa impunidade", cantaram, no ritmo da música "Beijinho no Ombro", hit da cantora de funk Valesca Popozuda.

    "Ela é injusta, ela é racista/Ela mata, ela é a polícia/Na ditadura, no passado e no presente/Recebe ordem do Estado pra matar os inocentes", foi outro protesto cantado, ao ritmo da música "Ela é top", do MC Bola. A crítica à polícia também estava presente nos panfletos distribuídos aos moradores.

    "A polícia militar é a mesma desde a ditadura, funciona do mesmo jeito (...) Precisamos acabar com a violência policial que cotidianamente desaparece com homens como Amarildo, assassina jovens como Douglas e arrasta mulheres pelas ruas como Cláudia. Para mudar esse cenário é urgente desmilitarizar a PM!", escreveram.

    VIZINHANÇA

    Os moradores da vila onde se localiza a residência de Calandra reprovaram a forma como o protesto foi realizado. "Arrombaram o portão que acabamos de arrumar", reclamou a dona de casa Cristiane Alves. "Ninguém tem nada a ver com isso. Não me importo com o que aconteceu na ditadura, já foi. Faz [o protesto] na rua, ninguém tem nada a ver com isso." Segundo a dona de casa, que diz trabalhar na casa de Calandra, ele estaria viajando há seis meses.

    Todos os vizinhos entrevistados pela reportagem disseram desconhecer que um ex-agente da ditadura morava no local.

    "Sou a favor do protesto, se estão atrás de um ideal, façam. Mas pichem a casa dele. Os dez [número de casas da vila] vão arcar com o prejuízo. Ficou feio o protesto", disse a enfermeira Karina, moradora da vila.

    O estudante Lucas Almeida, 19, mora nas imediações e disse aprovar o ideal do protesto, apesar de discordar dos métodos utilizados. "No balanço, sou mais favorável. Mas não pegou legal. O pessoal aqui do bairro tem mente fechada. Se você picha, pra esse pessoal fica a impressão errada", afirmou.

    Para ele, que diz ser leigo no tema ditadura, o conhecimento de que um agente mora nas imediações não fará muita diferença na sua postura. "Foi algo que passou. Se eu tiver que dar 'bom dia' pra ele na rua, vou dar. Mas espero que ele tenha se arrependido."

    Para a integrante da Frente Popular da Juventude Larissa Sampaio, a opinião desses moradores não representa o pensamento de todos os vizinhos de Calandra. "Infelizmente, algumas pessoas pensam assim [não gostaram das pichações]. Mas outros moradores vieram falar com a gente e se manifestaram de outra forma, aprovando a iniciativa", disse Sampaio.

    A dona de casa Berenice da Silva, 67, afirma ter visto muitas reportagens sobre a ditadura nos últimos dias e aprovar a forma como foi conduzida a manifestação. "Eu gostei, não teve quebra-quebra. Qualquer protesto é válido. Pra mim, que não sei muito sobre isso, não muda muita coisa. Mas pros familiares, é importante saber o que aconteceu", disse.

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