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    Collor ataca Barbosa e diz que tribunal 'reescreveu' a história ao inocentá-lo

    GABRIELA GUERREIRO
    DE BRASÍLIA

    28/04/2014 15h41

    Ao subir na tribuna do Senado nesta segunda-feira (28) para comemorar sua absolvição pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) criticou o presidente da corte, Joaquim Barbosa, e disse que o tribunal "reescreveu a história do país" ao inocentá-lo dos crimes que resultaram no seu impeachment da Presidência da República, em 1992.

    Collor classificou de "lamentável" a postura de Barbosa, na semana passada, ao final do julgamento da ação em que era acusado pelo Ministério Público de participação em esquema de desvio de recursos por meio de contratos da Presidência com agências de publicidade.

    Ao final do julgamento –em que Collor foi absolvido por unanimidade –Barbosa criticou a morosidade da Justiça brasileira e afirmou que o processo passou 23 anos tramitando em diferentes instâncias da Justiça "com tropeços" e com "mil dificuldades".

    "Se no Brasil a Justiça como um todo padece de letargia, como ele próprio [Barbosa] reconheceu ao final de meu julgamento, o presidente da mais alta corte judicial padece de liturgia. O senhor presidente da Suprema Corte do país tem uma carência de liturgia para o exercício do seu cargo", atacou Collor.

    Beto Barata -31.mar.2014/Folhapress
    Após tramitar por 23 anos, processo contra o ex-presidente Fernando Collor foi julgado improcedente pelo STF
    Após tramitar por 23 anos, processo contra o ex-presidente Collor foi julgado improcedente pelo STF

    O senador disse que, mais grave do que "se confundir ou declarar o resultado do julgamento", foi Barbosa resumir "de forma desmerecedora e embaraçosa" o enredo da ação e do julgamento, "deturpando os fatos".

    "A que crimes se refere o presidente do STF? De que provas fala o senhor, senhor ministro Joaquim Barbosa? Que ordens ou determinações esperava encontrar o senhor ministro se todos os acusados foram absolvidos, inocentados por falta de provas. A que fatos o ministro Joaquim Barbosa alega? Sinceramente, não é esta a conduta, a razoabilidade que se espera de um chefe de Poder da República."

    Collor disse que "suportou" nos últimos 23 anos todas as acusações relativas ao período em que foi presidente da República, mas que agora o país foi "passado a limpo" com a decisão do STF de inocentá-lo.

    "Depois de mais de duas décadas de expectativas e inquietações pelas injustiças a mim cometidas, cabe a perguntar: quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi? A começar pelo meu mandato presidencial e compromisso público que assumi. A tranquilidade que perdi, a retratação que todo ser humano merece a ser prejulgado sem julgamento, vitimado sem dolo e responsabilizado por atos e fatos inventados e versões forjadas."

    Emocionado, Collor quase chegou às lágrimas ao falar de seu passado depois que deixou a Presidência da República. O senador disse que foi o homem público "mais investigado" desde a instauração da República no país e, agora, está absolvido de todas as acusações. "Estou inocentado de todas as delações. A ninguém é mais dado o direito, salvo por reiterada má fé, de dizer o contrário ou sequer fazer meras ilações."

    Editoria de Arte/Folhapress

    CRÍTICAS

    No discurso, Collor fez sucessivos ataques ao Ministério Público, responsável por mover a ação em que era acusado de participação no esquema de desvio de recursos por meio de agência publicitárias. O Ministério Público o denunciou por falsidade ideológica, corrupção passiva e peculato (desvio de dinheiro público).

    Como a denúncia foi aceita em 2000 e o julgamento dos crimes só aconteceu na semana passada, dois dos delitos já estavam prescritos: falsidade e corrupção.

    O senador disse que o Ministério Público cometeu crime de falsidade ideológica porque teria alterado depoimentos de supostas testemunhas para modificar versões que favoreciam a sua acusação. O senador classificou procuradores responsáveis pelo seu caso de usarem de "má fé" e de adotarem postura "criminosa". "Houve adulteração criminosa por parte do Ministério Público na transcrição dos depoimentos das pessoas envolvidas e arroladas no processo", atacou.

    Ao falar sobre a prescrição de partes dos crimes dos quais foi acusado, Collor disse que a "prescrição punitiva" deixa sequelas e lhe levou a "anos de angústia e padecimento". "Quem não é absolvido, restará sempre ao denunciado a pecha de réu, acusado, e dúvida de todos em relação à sua honestidade e inocência. Nada mais desumano para quem tem a consciência limpa e correta."

    A relatora do caso no STF, ministra Cármen Lúcia, que contribuiu para a prescrição mantendo o processo parado em seu gabinete por 4 anos, inocentou Collor por peculato, mas fez questão de votar também nos casos em que já não era possível punir o ex-presidente.

    Ela disse que a denúncia do Ministério Público não poderia ser tratada como "um primor de peça", pois estava repleta de inconsistências e não conseguiu produzir provas que ligassem Collor diretamente aos crimes.

    A ministra também alegou que o Ministério Público, sem apresentar provas robustas, suprimiu trechos de depoimentos para tentar agravar a situação do ex-presidente. Num dos casos, um depoimento dizia que um grupo de amigos do presidente havia procurado um dos envolvidos, mas, na peça do MP o "grupo" era suprimido e se fazia uma relação direta com Collor.

    Em outra passagem, uma testemunha dizia não se lembrar corretamente de determinado fato, usando em seu depoimento a expressão "salvo engano", que também foi suprimida da peça acusatória do MP, dando a entender que havia certeza nas afirmações.

    Em relação ao peculato, todos os ministros votaram pela absolvição de Collor. Nos dois crimes prescritos, os ministros Teori Zavascki, Rosa Weber e o presidente Joaquim Barbosa disseram que não poderiam proferir votos devido à jurisprudência do STF, uma vez que não é possível punir alguém por um crime já prescrito.

    Cármen Lúcia, no entanto, votou pela absolvição, e foi acompanhada pelos ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Apesar do caso coincidir com a época em que Collor era presidente, a principal ação ligada ao processo de impeachment foi julgada pelo STF em 1994.

    Na ocasião, Collor foi absolvido e os ministros usaram argumentos semelhantes aos de hoje: a dificuldade do Ministério Público em produzir prova que ligasse diretamente o ex-presidente aos crimes de corrupção por ter recebido de empresas de PC Farias ou de empresários ligados a ele um Fiat Elba e pagamentos de despesas da Casa da Dinda.

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