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    Banco clandestino operou caixa dois em Mato Grosso, diz ministro do STF

    RODRIGO VARGAS
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CUIABÁ (MT)

    21/05/2014 13h12

    O suposto esquema de lavagem de dinheiro investigado pela Polícia Federal em Mato Grosso operou entre 2005 e 2013 como um "banco clandestino" que, segundo as investigações, concedeu empréstimos fraudulentos a autoridades, ajudou a bancar despesas de campanhas eleitorais e até a "negociação" de uma vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

    O relato do funcionamento do esquema consta em decisão do ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), à qual a Folha teve acesso na íntegra (leia trechos abaixo). De acordo com o documento, o inquérito da PF indica que o governador do Estado, Silval Barbosa (PMDB), utilizou-se do suposto esquema para a campanha eleitoral de 2010.

    Segundo o documento, as investigações mostram de "forma consistente" que os envolvidos no suposto esquema efetuaram "operações financeiras fora do alcance dos órgãos de controle e polícia administrativa".

    Na decisão, Toffoli tratou de pedidos de prisão e de busca e apreensão formulados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Nesta terça-feira (20), foram presos o deputado estadual José Riva (PSD) e o empresário Éder Moraes, ex-secretário de Estado. Buscas foram realizadas nas casas de Riva e do governador, que acabou detido por posse ilegal de arma –ele foi solto após pagamento de fiança.

    Pedro Ladeira - 24.out.2013/Folhapress
    Silval Barbosa (PMDB) paga fiança após buscas da PF em seu apartamento
    Silval Barbosa (PMDB) paga fiança após buscas da PF em seu apartamento

    "Essas operações apresentavam ao menos uma das seguintes características: 1) obtenção de empréstimos vultosos em condições flexíveis de pagamento; 2) interposição de pessoas a fim de ocultar origem, destino ou natureza dos recursos", diz trecho da Procuradoria-Geral da República, citado por Toffoli na decisão.

    O suposto esquema tinha como base as empresas Globo Fomento Mercantil e Comercial Amazônia de Petróleo Ltda, ambas de propriedade do empresário Gercio Marcolino Mendonça Junior, que detalhou a suposta fraude em um depoimento concedido à PF por meio de delação premiada.

    De acordo com as investigações, as empresas de Mendonça eram usadas como intermediárias de valores repassados de forma fraudulenta por instituições financeiras. Entre outubro de 2009 e dezembro de 2010, por exemplo, a superintendência do BIC Banco autorizou empréstimos classificados nas investigações como "simulados" que somaram R$ 12 milhões à distribuidora de combustíveis do empresário.

    Esses empréstimos foram destinados à Comercial Amazônia de Petróleo Ltda., "a qual foi usada como pessoa interposta com o fim de ocultar os verdadeiros destinatários dos recursos e fins em que seriam empregados", diz um trecho.

    No período investigado, mais de R$ 65 milhões foram movimentados nas contas mantidas por Mendonça na instituição. O depoimento de Mendonça e documentos localizados na casa de Moraes indicam ainda que o governador Barbosa obteve, por meio do esquema, ao menos R$ 4 milhões para sua campanha em 2010.

    Outro beneficiário, em fevereiro de 2011, foi Riva. De acordo com Mendonça, o BIC Banco autorizou um empréstimo de R$ 3 milhões à sua empresa, com a finalidade de levantar dinheiro para o deputado. "Os valores decorrentes desta transação foram retirados da conta da Amazônia Petróleo mediante transferências para contas de empresas interpostas indicadas pelo citado deputado estadual."

    Questionado a respeito de um empréstimo de R$ 3,45 milhões concedido em 2012 ao então candidato a prefeito de Cuiabá Mauro Mendes (PSB), Mendonça afirmou que os valores foram repassados "a juros de 1,5%", tendo em garantia uma nota promissória no valor de R$ 3,8 milhões. Segundo Mendonça, o empréstimo foi durante a campanha do hoje prefeito Mendes.

    SENADOR BLAIRO

    Segundo a PF, as operações citam ainda o antecessor de Barbosa, o atual senador Blairo Maggi (PR). As investigações mostram que essas operações ocorriam "com conhecimento, autorização e no interesse" de Blairo e Silval, e coordenadas por Moraes.

    O inquérito menciona a existência de "elementos indicativos" de que, em 2009, o então governador Blairo "obteve, junto ao Banco Industrial e Comercial S/A - Bic Banco [...] ao menos dois empréstimos com dissimulação de sua condição de tomador e finalidade espúria: embora os empréstimos tenham sido concedidos, simuladamente, às pessoas jurídicas Todeschini e São Tadeu Energética S/A".

    Um dos empréstimos supostamente tomados por Blairo, no valor de R$ 4 milhões, se destinava a interferir em um milionário processo de "compra" de uma vaga vitalícia no Tribunal de Contas do Estado. "[Blairo] Obteve de Gércio, por meio de Eder, vantagem pecuniária de R$ 4 milhões em favor de Alencar Soares Filho, então conselheiro do Tribunal de Contas", diz a Procuradoria-Geral.

    Segundo as investigações, Soares Filho se aposentou para dar lugar a Sérgio Ricardo, que hoje ocupa a vaga no TCE-MT. Na decisão, porém, Toffoli negou o pedido de busca e apreensão de documentos na casa de Blairo e na sede do Grupo Amaggi, gigante do agronegócio comandada por sua família.

    OUTRO LADO

    Nesta terça (20), em nota à imprensa, Mendes reconheceu o empréstimo, mas negou ligação com o contrato firmado depois de eleito. A defesa de Riva não se manifestou a respeito das investigações. Blairo Maggi, que está em viagem ao exterior, disse por meio de sua assessoria que está "à disposição" para prestar esclarecimentos.

    Em nota, a assessoria do governador disse ter "convicção" de que "todos os fatos serão esclarecidos". "Enquanto cidadão e chefe de Estado, o governador reitera confiança nas investigações, defende a transparência e a divulgação detalhada de tudo que for apurado e constatado."

    O TCE-MT informou que Sérgio Ricardo acompanha as investigações e se colocou à disposição para esclarecimentos. Moraes disse, por meio de seu advogado, que também pretende obter o benefício da delação premiada.

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    LEIA TRECHOS DA DECISÃO DE DIAS TOFFOLI

    (...) Por Gercio Marcelono Mendonça Júnior no interesse e a mando de investigados com prerrogativa de foro devem, idealmente, ser investigadas na instância extraordinária.

    A conexão entre essas condutas em tese praticadas por Eder de Moraes Dias e as atribuídas aos investigados com prerrogativa de foro é muito íntima, atraindo todas as hipóteses do art. 76 do CPP. Impede, pois, nesta particular angulação, resguardar a coerência entre as instâncias: e, como não se trata de hipótese de separação obrigatória de processos, o art. 82 do CPP autoriza a retomada processamento simultâneo, nos mesmos autos.

    Eder de Moraes Dias incorreu, ao longo da investigação até aqui empreendida, ao menos em três condutas que demonstram representar sua liberdade risco concreto para a ordem pública e para a integridade da instrução criminal que se projeta em seu desfavor.(...)

    (...) A investigação até aqui empreendida reuniu elementos indicativos de que Blairo Maggi, quando era Governador do Estado de Mato Grosso, obteve, junto ao Banco Industrial e Comercial S/A - BicBanco, no ano de 2009, ao menos dois empréstimos com dissimulação de sua condição de tomador e finalidade espúria: embora os empréstimos tenham sido concedidos, simultaneamente, às pessoas jurídicas Todeschini e São Tadeu Energética S/A, a execução de medida de busca e apreensão nas residências de Eder de Moraes Dias e do pai de Gercio Marcelino Mendonça Júnior e as declarações deste último na qualidade de colaborador premiado revelam indícios de que ao menos parte dos recursos se destinava a Blairo Maggi e de que essa parte se destinava a finalidades espúrias no âmbito da política mato-grossense. (...)

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    (...) Grupo Amaggi, do Senador da Reública Blairo Maggi. Sobre este ponto aduz o Parquet que: "o inquérito veicula elementos que indicam, de forma consistente, que, ao menos entre 2009 e 2013, no Estado de Mato Grosso, Eder de Moraes Dias, Silval da Cunha Barbosa e Blairo Maggi utilizaram instituição financeira clandestina operada por Gercio Marcelino Mendonça Júnior para efetuar operações financeiras fora do alcance dos órgãos de controle e polícia administrativa. Essas operações apresentavam ao menos uma das seguintes características: (i) obtenção de empréstimos vultosos em condições flexíveis de pagamento; (ii) interposição de pessoas a fim de ocultar origem, destino ou natureza dos recursos. (...)

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    (...) Que durante a campanha de 2010, por volta do mês de setembro, o então secretário de Fazenda EDMILSON JOSÉ DOS SANTOS, entrou em contato com o Depoente e solicitou que fosse pessoalmente, em conjunto com este, ao apartamento de SILVAL BARBOSA, localizado no Bairro Jardim das Américas (quase em frente ao Shopping Três Américas), em Cuiabá, época que ainda não morava na cobertura, no período vespertino e lá se reuniram os três, quais sejam, o Depoente, EDMILSON e SILVAL; QUE nessa oportunidade SILVAL BARBOSA pediu emprestado a quantia de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais) e explicou que o dinheiro seria utilizado para fins de campanha eleitoral, já que neste ano era candidato a reeleição ao governo de Estado de Mato Grosso, tendo como concorrente Mauro Mendes; QUE o Depoente emprestou o dinheiro ao Governador apenas na quantia de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), cobrando 3% de juros ao mês; (...)

    *

    (...) A esse respeito, o colaborador premiado Gercio Marcelino Mendonça Júnior confirmou, em suas declarações, que fez empréstimo a Mauro Mendes, durante campanha eleitoral do ano de 2012 (eleições municipais), no valor de R$ 3.450.000,00, a juros de 1,5%. Acrescenta que não foi doador de campanha, havendo recebido de Mauro Mendes Ferreira, em garantia, nota promissória, assinada pelo próprio, no valor de R$ 3.890.520,00 (três milhões oitocentos e noventa mil, quintos e vinte reais), com vencimento em 29/01/2014. A nota promissória foi apreendida no curso da investigação e consta dos autos. (...)

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