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    Pressão política fez Petrobras comprar distribuidora de gás

    RAQUEL LANDIM
    DE SÃO PAULO

    29/06/2014 02h00

    A Petrobras pagou 70% acima do valor estimado pelo mercado ao comprar uma distribuidora de gás no interior de São Paulo em 2011, um negócio que ilustra a forma como pressões de natureza política muitas vezes influenciam as decisões da estatal.

    Em junho de 2011, a Petrobras pagou US$ 271 milhões (R$ 430 milhões na época) ao comprar a Gas Brasiliano Distribuidora (GBD) da italiana ENI. Contratada pela Petrobras durante as negociações, a consultoria Deloitte estimou o valor da empresa em R$ 295 milhões, segundo documento interno da estatal.

    A Petrobras, que traz gás natural da Bolívia e é sócia de praticamente todas as distribuidoras de gás do país, já havia tentado comprar a GBD antes por um preço menor. Em 2005, a estatal ofereceu R$ 120 milhões pela empresa, mas o negócio não saiu.

    Roberto Stuckert Filho - 16.set.2013/PR
    A presidente Dilma Rousseff junto com Graça Foster, presidente da Petrobras
    A presidente Dilma Rousseff junto com Graça Foster, presidente da Petrobras

    Até as conversas recomeçarem, em 2009, os italianos fizeram investimentos que elevaram o valor da distribuidora. Mas, segundo a Folha apurou, a estatal só concordou em pagar um valor tão superior à avaliação da consultoria por causa de pressões políticas que sofria na época.

    Editoria de Arte/Folhapress

    O plano da Petrobras era construir um gasoduto que estendesse a rede da GBD do interior paulista até a região do Triângulo Mineiro, para abastecer uma nova fábrica de fertilizantes em Uberaba (MG).

    A unidade era uma antiga reivindicação do vice-presidente José de Alencar (1931-2011), o empresário mineiro que chegou ao poder com a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.

    Batizada com o nome de Alencar, a fábrica está sendo construída pela Petrobras, que planeja investir R$ 1,95 bilhão no empreendimento. Em maio, a presidente Dilma Rousseff e a presidente da Petrobras, Graça Foster, estiveram na região para lançar a "pedra inaugural" da obra.

    Ao discursar na solenidade, Graça lembrou de ter sido chamada a Brasília "várias vezes" para tomar um "pito" de Alencar. "Ele queria saber porque não era possível fazer a fábrica em Uberaba. E dizia: prova para mim que é menos econômico."

    Alencar achava importante que a Petrobras voltasse a produzir fertilizantes, para reduzir a dependência da agricultura brasileira de produtos importados e garantir sua "autossuficiência" nessa área. Pessoas próximas à família de Alencar negam que ele defendesse o empreendimento por interesse político.

    Uberaba tem uma localização estratégica para uma fábrica de fertilizantes, porque está próxima de regiões produtoras de grãos. A desvantagem é que não existe na região oferta de gás natural, usado como matéria-prima na produção de fertilizantes.

    ALTERNATIVAS

    A saída mais barata encontrada pela Petrobras para levar gás até Uberaba era construir um gasoduto que ampliasse a rede da GBD. Seriam cerca de 300 quilômetros, a um custo de R$ 500 milhões.

    Daí a importância de adquirir o controle da distribuidora. O plano inicial da Petrobras era comprar a empresa em sociedade com os japoneses do grupo Mitsui, mas eles desistiram da sociedade na reta final da negociação.

    A Petrobras e a Mitsui fizeram ofertas parecidas pela GBD, enquanto a Cosan, que mais tarde adquiriu o controle da Comgás, fez uma proposta R$ 100 milhões inferior.

    Mas o plano da Petrobras deu errado. Depois da compra da GBD, a estatal foi impedida pelo governo de São Paulo e pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) de fazer o gasoduto até Uberaba.

    Os órgãos reguladores argumentaram que as distribuidoras só tem competência para comercializar gás dentro dos Estados. Para cruzar a fronteira, seria preciso autorização para construir um novo duto e a realização de licitação para escolher o responsável pelo empreendimento.

    O resultado foi que a Petrobras teve que optar por uma solução mais onerosa. A Gasmig, distribuidora da qual a estatal é sócia em Minas Gerais, vai construir um gasoduto de mais de 500 quilômetros de Betim até Uberaba, a um custo de US$ 1,8 bilhão.

    A avaliação do governo de Minas Gerais é que o novo gasoduto ajudará a desenvolver os municípios por onde ele passar. Procurada pela Folha, a Petrobras não quis se manifestar sobre o assunto.

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