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    'É complexo impedir a ação de cambistas', diz presidente da Rio-2016

    EDGARD ALVES
    PAULO ROBERTO CONDE
    ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO

    14/07/2014 02h00

    Entre as lições que a Copa do Mundo deixou para os Jogos Olímpicos do Rio, que ocorrerão entre 5 e 21 de agosto de 2016, duas foram assimiladas e serão aplicadas: a atenção aos turistas e a preocupação com ingressos.

    O presidente do megaevento carioca, Carlos Arthur Nuzman, afirmou à Folha, no último sábado (11), que o Rio terá um esquema organizado de acampamentos para receber visitantes do exterior, principalmente os sul-americanos, que vieram em massa para a Copa, um implemento inédito na história do evento.

    A Rio-2016 será a primeira Olimpíada no continente.

    O processo de venda de ingressos para o evento será alterado para não ocorrer problema semelhante ao do Mundial da Fifa, que teve desdobramentos policiais.

    Nuzman garantiu que a Rio-2016 fará uma apresentação pública neste ano e pedirá envolvimento de promotores públicos e do governo federal no processo de comercialização de entradas.

    Para o dirigente, as críticas feitas por membros do COI (Comitê Olímpico Internacional) recentemente à Rio-2016 são naturais, mas superadas.

    Ele também indicou que o Itaquerão deve ser o estádio de São Paulo no torneio de futebol durante os Jogos.

    Ueslei Marcelino/Reuters
    Carlos Arthur Nuzman (esq.) acompanha Thomas Bach, do COI, na reunião com a presidente Dilma na última sexta
    Nuzman (esq.) acompanha Thomas Bach, do COI, na reunião com a presidente Dilma na última sexta

    *

    Depois de superadas as previsões de caos, qual é o significado do sucesso da Copa para a Olimpíada?
    Carlos Arthur Nuzman - Primeiro, eu acho que é preciso ressaltar a enorme imagem positiva do Brasil no mundo. Inclusive, tive duas reuniões no exterior e tive oportunidade de ver pela televisão e pelos jornais o reconhecimento pela organização da Copa, do sucesso, dos estádios, da área de competição, do turismo. Todas essas matérias saíram nos vários lugares em que estive. Então, acho que isso vai trazer um interesse para os Jogos Olímpicos muito grande, e vai ser maior do que normalmente é.

    O que o senhor mudaria se fosse o responsável pela organização da Copa? E o que levaria para a Olimpíada?
    É diferente. Porque a Copa é um único campeonato mundial, que dura 30 dias. Os Jogos Olímpicos duram duas semanas, nas quais se tem 42 modalidades esportivas, e todas elas contínuas. Então, há concepções diferentes. O que a Copa nos deixa do ponto de vista positivo é que foi entregue conforme prometida. E a repercussão é positiva, não só da mídia, mas das equipes, dos turistas, de todos os clientes.

    A Olimpíada representa um desafio maior ou igual à Copa?
    Ele é maior, porque o tamanho da Olimpíada é maior. Queria até fazer um parêntese. O futebol, no mundo, tem atenção superior a qualquer outra modalidade esportiva. Ele conquistou um espaço inacreditável e se pegarmos as equipes, todas são boas em todos os continentes. Não há um jogo em que se diga que vai ser fácil. Todas têm representações muito fortes. O próprios campeonatos continentais são muito fortes. Então, o futebol conquistou um espaço muito importante para a sociedade e para o mundo. Ele deve ter esse tratamento e aplaudo isso. Os Jogos Olímpicos têm uma complexidade maior pelo número de esportes que possuem e por ser em uma mesma cidade.

    Qual foi a maior lição dada pela Copa?
    Há algumas coisas importantes que gostaria de mencionar. A Copa tem algumas lições, não apenas uma. Primeiro, que ela foi muito bem feita, muito bem organizada. O governo brasileiro se deu conta da importância que a Copa do Mundo representaria para o Brasil, se acertou e foi muito bem. A outra é algo de que falei quando ganhamos [a eleição para a cidade-sede] em Copenhague. Lá em 2009, eu disse que a Olimpíada [do Rio] seria a Olimpíada do continente sul-americano. Eu acho que está provado pelas matérias que vocês mesmos deram que o discurso que eu dei lá em Copenhague valeu para a Copa. A América do Sul esteve aqui presente com turistas vindo de avião, de carro, de ônibus, de vários veículos. É uma região do mundo que vai conquistar uma importante posição no cenário esportivo mundial. Eu fico contente de que o que eu previa em 2009 aconteceu em 2014 e vai se reproduzir em 2016.

    No começo, houve uma soberba do governo e do comitê organizador nos preparativos para a Copa. Depois, com os sustos que levaram no percurso, as coisas que antecederam o torneio entraram no eixo. Você acha que isso deixou o governo e o comitê Rio-2016 também mais atentos? Serviu para dar uma chacoalhada?
    Eu acho que todo grande evento deve ter uma atenção muito grande na sua largada. Não se pode querer que alguma coisa seja corrigida se você não tem estrutura para isso. O início dela mesmo, se alguma coisa deve ser comentada, ela foi atualizada em corrigida a tempo.

    No encontro com a presidente Dilma Rousseff, na última sexta-feira, como ficaram as garantias da União em relação aos Jogos Olímpicos?
    A reunião foi magnífica, espetacular, de uma maneira muito aberta a conversas. O presidente do Comitê Olímpico Internacional fez as colocações elogiosas, meritórias da Copa do Mundo, como a presidenta colocou e disse à imprensa que a partir de segunda-feira (14) todos os olhos estarão voltados aos Jogos Olímpicos. É óbvio que agora queremos ter a Olimpíada das Olimpíadas.

    O relacionamento entre todas as esferas de trabalho ainda é bom? Houve um abalo com diversas saídas na cúpula da organização de 2016. Como está aquela sintonia valorizada em 2009?
    Ela continua intocável. Veja bem, em uma organização de sete anos você certamente vai ter substituições no meio do caminho. Isso é uma maratona, e numa maratona muitos atletas ficam pelo caminho. Aliás, muitos atletas bons. Então, vão chegar aqueles que estão preparados para poder chegar. Se amanhã alguém tiver que sair, isso não representará uma desunião, pelo contrário. A união do comitê organizador, nos três níveis de governo, é muito grande.

    Quanto ao seu relacionamento com a presidente Dilma, houve notícias de que ela teria dado reprimendas durante esse percurso. Como foi isso, está superado?
    Nunca teve, nunca. Nas vezes em que nós estivemos juntos houve tratamento absolutamente cordial e profissional. Tanto que ontem [sexta-feira] nós tivemos uma reunião com ela de uma hora. O presidente [do Comitê Olímpico Internacional, Thomas] Bach, a presidente Nawal [el Moutawakel, da comissão de coordenação da Rio-2016], eu, ela com os ministros. Foi magnífico, e mostra o interesse dela nos Jogos Olímpicos. Ficamos muito contentes com a reunião com ela.

    Quando o comitê organizador da Rio-2016 enfrentou críticas de John Coates, um dos vice-presidente do COI, alguns meses atrás, o governo federal deu respaldo ou cobrou?
    O COI tem um presidente e quatro vice-presidentes. Não é um só presidente. Eles têm um mandato que é renovado. Um deles [Coates] fez um comentário e em seguida ele mesmo corrigiu esse comentário. Isso não alterou em nada o que foi feito. Eu acabei de vir de uma apresentação para o comitê-executivo do COI e não houve nenhuma colocação que fosse diminutiva ao trabalho que nós estamos fazendo, ao contrário. O COI reconheceu os enormes avanços e a confiança de como está indo.

    Mas as federações internacionais também demonstraram grande preocupação com a Olimpíada, há três meses. Agora, Bach adota uma postura mais positiva. O que mudou tanto que tirou a desconfiança?
    As federações internacionais, umas mais outras menos, acompanham a evolução da organização do seu esporte na Olimpíada. Algumas delas realmente fizeram alguns reparos, muito deles direcionados a Deodoro, cujas obras ainda não haviam começado. É natural que numa organização que dure sete anos você tenha alguns reparos e alguns comentários. Ninguém consegue ter uma condução linear de opiniões. Vão existir altos e baixos, e o que é importante e sinto das federações internacionais e da mídia é que elas querem ver fisicamente as obras andando. Isso que realmente dá a transferência de reconhecimento e de confiança. E a gente sabe disso. Só que não é possível fazer essas obras todas de uma vez, até porque não podemos ter todas elas prontas com antecedência, caso contrário somos responsáveis pela manutenção dela. Então é preciso balancear isso.

    O senhor concorda com as críticas feitas? Ou acha que houve exagero?
    A experiência tem que servir para alguma coisa. Com a experiência que acho que eu tenho, é preciso encarar isso de uma maneira muito positiva, muito natural. Jogos Olímpicos e organização não são uma coisa simples, mas uma coisa complexa. Tem que haver um equilíbrio necessário, saber conviver com isso e explicar que as coisas estão andando. Nós temos hoje 40% das obras para os Jogos Olímpicos prontas. Na visita do presidente Bach à Vila Olímpica de 2016, ele teve uma impressão extraordinária. Ele mesmo disse que vai ser a melhor vila dos Jogos. É preciso saber conviver com isso [as críticas].

    O senhor chegou a perder o sono com aquelas críticas?
    Não, eu tenho a obrigação de estar descansado para conviver com elas. As críticas são importantes para avaliar. Eu sempre fui um defensor disso, de dar as explicações todas, porque elas são importantes para a sociedade, seja mídia, povo, entidades internacionais, COI. Elas são importantes. Até porque em algumas críticas você nota alguma coisa que não havia percebido.

    O custo da Olimpíada está próximo de chegar a R$ 40 bilhões. Vai subir muito ainda?
    Vai estar em torno disso. Eu gostaria de explicar isso de uma maneira mais tranquila. Você tinha um orçamento do comitê organizador e outro dos governos. Mas, na parte dos governos, é preciso dividir em dois orçamentos. Isso para qualquer país. Um para as instalações esportivas e tudo necessário para os Jogos, e outro da infraestrutura que a cidade e o país precisam para recebê-los. Londres, quando organizou os Jogos, tinha o metrô pronto. Então não dá para se comparar um com o outro. O Rio vai ser a cidade de maior transformação de infraestrutura da história dos Jogos Olímpicos. Até pelas próprias necessidades e carências da cidade. E até no país, porque temos quatro sedes além do Rio para o futebol.

    Sim, mas feitas as ponderações, o senhor acha que vai custar quanto?
    O custo será proporcional às necessidades. A infraestrutura de que a cidade vai precisar não pode ser colocada na conta dos Jogos. Ela pode ser feita hoje, amanhã, daqui a cinco anos, como não poderia ser feita. Essa conta daqui não deve ser incluída na conta da organização, até porque nós temos muitas instalações esportivas prontas. E isso vai contribuir no futuro dos Jogos, para aqueles que vão organizar.

    No caso do Pan, que o senhor organizou, o orçamento inicial girava em torno de R$ 400 milhões. Terminou custando R$ 4 bilhões. O Rio terá um legado mais real e um orçamento mais controlado que o do Pan?
    No Pan, um orçamento que tinha era para um tipo de Jogos Pan-Americanos. Quando ganhamos, eu levei aos governos uma ideia de fazer uma mudança de projeto para ser candidato aos Jogos Olímpicos e ter instalações prontas. Então, esse patamar de mudança gerou um aumento no valor do custo do Pan. Não estamos falando em estouro de orçamento, e sim do que aconteceu realmente. Se você pegar o projeto de candidatura do Pan e o que foi entregue, ele é completamente diferente. Os Jogos Olímpicos têm obras de infraestrutura que não estavam no dossiê de candidatura. Por exemplo, o metrô. No nosso dossiê, não se falava de metrô. Esse acréscimo da obra do metrô é benefício da população.

    O acordo com o COI previa uma disponibilidade de 40 mil quartos, e o Rio estaria oferecendo 35 mil. Como ficará a questão? Haverá transatlânticos para compensar?
    Teremos apenas um navio, porque vários novos hotéis estão sendo construídos. É uma substituição em benefício do turismo e da população. Porque o navio vem e vai embora. Agora há cadeias internacionais que vêm e ficam.

    Na Copa, aconteceu de virem caravanas de argentinos, colombianos, chilenos, etc. Há alguma mínima ideia para abrigar essa demanda de gente que virá e não ficará em hotéis durante a Olimpíada?
    Aquilo que eu falei em 2009, do continente sul-americano, está aí, está comprovado. Muitos que vêm não terão recursos nem lugar. O que está acontecendo? Vindo trailers, acampamentos, tendas, e isso é uma novidade em termos de Jogos Olímpicos. Nunca houve isso. Então, a cidade já está se preparando para ter áreas para acolher essas pessoas. Eu até conversei com o prefeito [Eduardo Paes], e vamos ver áreas que ainda serão definidas. Muitas delas já estão sendo utilizadas agora, na Copa, e outras vão ser usadas. Há um dado de que muitas das áreas da Barra [da Tijuca, principal núcleo dos Jogos de 2016] que poderão ser utilizadas para a Copa não foram necessárias, porque o Maracanã fica em outra região da cidade.

    Então se tornou uma preocupação?
    Sim, se tornou, mas positiva e que já tem soluções encaminhadas. Ninguém foi pego de surpresa, e ainda bem que aconteceu dois anos antes. E tomara que venham mais, nós precisamos de um continente sul-americano muito forte em esportes. Não estou falando de futebol, porque o futebol já é muito forte. E para ter um continente forte as pessoas têm que vir à Olimpíada, trazer seus filhos.

    Sua opinião é que a Olimpíada terá um legado maior do que o da Copa?
    São diferentes. A Copa ocorre em 12 cidades. Mas é natural que o Rio vai ter um legado muito grande, não tenha dúvida.

    Nos últimos dias estourou o escândalo dos ingressos da Copa. O que o COI está pensando em reformular o processo de comercialização para 2016. O que vai mudar?
    Ingressos sempre foram uma preocupação que nós tivemos. Na reunião do comitê-executivo do COI eu levantei a questão. Foi agora, dia 9, quarta-feira. Eu disse o que tinha acontecido, mas nem precisava, é público e toda a imprensa noticiou. Os ingressos dos Jogos Olímpicos têm uma complexidade muito maior. Na Copa estamos falando de um esporte, aqui estamos falando de 42 modalidades. A nossa ideia é fazer uma apresentação pública, ainda no segundo semestre deste ano, explicando como será feita a venda dos ingressos e quem vai fazer. Nós temos no site do Rio-2016 em aberto quem vai concorrer para fazer a venda de ingressos e a hospitalidade. Então, é público. É transparente. E mais ainda: nós vamos procurar o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Municipal para poder, nessa apresentação, explicar como será feita a venda e explicar as responsabilidades que vão caber a cada um. Nós queremos a coisa mais clara possível e que todos possam conhecer. Mais um dado: isso foi comentado pelo Bach à presidenta Dilma ainda ontem.

    Existe alguma maneira de impedir que os ingressos caiam na mão de cambistas?
    Cambista é um instituto universal, né? Eu não conheço um lugar que não tenha. Nem na China eu deixei de ver cambista. Nós vamos tentar ao máximo, por isso estamos indo ao Ministério Público. É muito complexo. Nós vamos tentar diminuir.

    O senhor é chefe da Rio-2016 e do COB. Não é consciente deixar um destes postos?
    Se você pegar na história dos comitês organizadores e os comitês olímpicos, tirando o da China, sempre tiveram problemas de relacionamento, porque você começa a entrar em determinadas questões que pode ter interesses diferentes. Eu conversei com o [o ex-presidente do COI, Jacques] Rogge na época, e ele disse "desde que você tenha duas grandes equipes, pode até ser vantajoso". E eu acho que tenho duas grandes equipes, na Rio-2016 e no COB. Não tenho nenhum receio das coisas como estão e nem os organismos. E acho que isso está consolidado, vamos entregar Jogos espetaculares.

    *Será permitido o consumo de cerveja e e venda de meia-entrada durante a Olimpíada?
    Isso ainda não foi analisado. Esse assunto terá de ser tratado. Vamos explicar tudo sobre os ingressos na apresentação.

    O estádio de São Paulo para o torneio de futebol será o Itaquerão?
    A decisão cabe à Fifa e à CBF. Vamos a partir da opinião deles para decidir. O presidente [da Fifa, Joseph] Blatter falou do Itaquerão.

    E quanto aos eventos-teste dos Jogos? Há risco para algum deles por causa de atrasos?
    Eu fiquei surpreso com essa campanha da água [vários velejadores criticaram a Baía da Guanabara, palco da disputa da vela, por causa dos níveis críticos de poluição]. Não vou dizer que não tem, mas eles estão sendo corrigidos. Agora, quantos campeonatos mundiais de vela não foram realizados na Baía de Guanabara? Um monte, e continuam. E ninguém reclamou nada.

    O que o senhor está sugerindo?
    É alguma rivalidade de comitês que levantaram isso porque acham que o Brasil levará vantagem por competir em casa.

    Depois do descredenciamento do Ladetec, em 2013, o Brasil ficou sem laboratório credenciado pela Agência Mundial Antidoping. O Rio corre os risco de ser a primeira sede sem ter laboratório de doping?
    Não, o laboratório e o equipamento já estão entregues. Os testes começarão em agosto. Mas certamente será aprovado.

    Essa frustração da seleção brasileira na Copa pode exagerar a expectativa por medalhas em 2016?
    Não, acho que não. Todo mundo tem consciência do que é disputar um evento desse em casa. A tensão, a cobrança. Todos têm. Da mesma maneira que nós organizadores.

    Recentemente, a Confederação Brasileira de Vôlei, que você presidiu, se envolveu em escândalo em relação a contratos de patrocínio envolvendo o Banco do Brasil e altos dirigentes da confederação. O COB pretende entrar na discussão sobre o vôlei?
    Não nos cabe. Cabe à assembleia geral. Nós não temos nada com isso. Cada entidade tem a sua vida. São os filiados que elegem suas autoridades.

    Adriano Vizoni/Folhapress
    Carlos Arthur Nuzman dá entrevista no Rio de Janeiro
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