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    Eduardo Campos foi alvo de grande ironia da história, diz Maurício Rands

    NATUZA NERY
    MARINA DIAS
    ENVIADAS ESPECIAIS AO RECIFE

    18/08/2014 02h00

    Coordenador do programa de governo de Eduardo Campos e uma das principais pontes entre PSB e Rede, Maurício Rands, 52, afirma, sem conter o choro, que o presidenciável morto em um acidente aéreo na semana passada foi vítima de uma grande "ironia da história".

    O desafio do pernambucano era se tornar conhecido. A notoriedade veio na quarta (13), mas sem que pudesse desfrutar da popularidade que tentava alcançar para chegar ao segundo turno.

    Para Rands, o trágico desfecho da candidatura de Eduardo Campos dará a Marina Silva o empuxo necessário para que ela termine o que ele começou.

    Se eleita, o PSB não terá um representante legítimo no Palácio do Planalto. "Estamos só invertendo a cabeça da chapa. Ninguém está enganando ninguém, não há adultério", disse, desta vez sorrindo.

    Luiz Alves/Câmara dos Deputados
    Maurício Rands, coordenador do programa de governo de Eduardo Campos, quando era deputado
    Maurício Rands, coordenador do programa de governo de Eduardo Campos, quando era deputado

    *

    Folha - O sr. era do PT, defendeu o governo no mensalão. Hoje está no PSB...
    Maurício Rands - Eu já percebia, no final do governo Lula, sinais de esgotamento da capacidade de se renovar daquele projeto então liderado pelo PT. Já começava a discordar, por exemplo, de um certo acomodamento daquele modo tradicional de construir a governabilidade. O que era uma necessidade quando Lula assumiu terminou sendo percebido como virtude. Por isso o PT perdeu a capacidade de se renovar.

    Eduardo estava na política há tempos, mas o mote dele era o da novidade.
    O processo de renovação não vem de Marte. A renovação vai sendo feita com a realidade existente. A candidatura de Eduardo já mudou o debate das eleições de 2014. Quando Eduardo percebeu que não deveria mais continuar na aliança [com Dilma], era por perceber que aquela aliança estava na inércia.

    Logo depois adotou a Rede e Marina...
    Foi quando quis o destino que Marina nos procurasse. Teria sido mais cômodo para Eduardo ficar [na base política de Dilma]. O mais pragmático era ser candidato a senador, Marina ser candidata a senadora. Eles preferiram uma aliança pequena.

    Mas ainda não tinha se firmado como terceira via...
    O Brasil não vai ficar a vida toda discutindo o vermelho e o azul. Um polarização como a americana pode não fazer bem ao Brasil. Talvez os EUA até suportem [polarização] porque são mais desenvolvidos. O Brasil ainda tem muitas reformas por fazer.

    Como era a relação de Eduardo com Lula quando deixou o governo Dilma?
    Uma relação de amizade, carinho e admiração. E ele tinha certeza de que Lula ia compreender. Eduardo não tinha a obsessão de ser presidente.

    Não?
    Não era obsessão. Desde 2010 já havia disputas grandes entre PT e PSB. Já havia diferenciações. Mas não havia a certeza de que teria que ter candidatura. Se Dilma estivesse muito bem, tivesse corrigido a rota do governo dela, podia ser que a gente continuasse na aliança.

    Onde você estava quando soube da tragédia?
    Estava em um fórum da revista "Exame". A gente vinha batendo na tecla de não fazer agendas frenéticas.

    O sr. falou em destino para tratar da filiação de Marina ao PSB. E o acidente, era destino?
    Era o destino. Temos o livre arbítrio, a capacidade de influir no nosso presente e futuro, mas não temos o controle de tudo. Em condições normais, eu estaria com Eduardo na entrevista do "Jornal Nacional" e também no voo.

    Quando você pensa nisso...
    Eu gostaria que ninguém estivesse naquele voo [cai no choro]. A perda de Eduardo é a perda de um amigo, de um companheiro de geração. Nós que nascemos em famílias estruturadas, sempre fomos a boas escolas e tivemos tudo. Somos de uma geração que pensava que a vida só tem sentido se for útil para o coletivo. Ele tinha essa capacidade de juntar forças para um projeto de futuro. Ele começou, Marina terminará.

    O desafio era ser conhecido...
    Que paradoxo. Que ironia da história. Tínhamos convicção de que, com a campanha, ele ia se tornar mais conhecido e a pessoas iam ver que ele fez um bom governo. A ironia é que ele se tornou conhecido com a morte. Mas essa morte dele, essa fatalidade do destino, vai contribuir para despertar a crença dos brasileiros de que um outro caminho é possível.

    É evidente que o sr. achava que o Brasil estava preparado para um presidente como Eduardo. Mas acha que o país está preparado para Marina?
    Sim. Nesses meses de convivência que tive com ela, Marina cada dia me surpreendeu para melhor. É preparada, sabe ouvir, contrariando imagens que foram criadas por gente que não a conhece. Marina vai levar adiante a aliança como ela foi feita.

    Elogiava-se Eduardo por ser um grande gestor. Mas Marina é criticada nesse quesito.
    Entendo que cada um tem o seu estilo, mas se Marina não tivesse capacidade de gestão ela não teria chegado tão longe. É uma personalidade internacional, tem experiência no Senado, no ministério. Marina não é uma líder fraca; é uma líder forte.

    O programa muda com Marina candidata?
    Não. Ele já está na reta final. As mudanças que serão feitas serão pontuais.

    Ela vai mudar algo na estrutura da campanha ou vai respeita o que Eduardo montou?
    Essa aliança deu certo porque foi feita com base em um programa. Nós, os coordenadores [de Rede e PSB], nos demos muito bem.

    Renata Campos, a viúva de Eduardo, vai ser ouvida na escolha para o vice?
    Importantíssimo ela ser ouvida. Não só por ser a mulher dele, mas porque é uma militante política. Ela foi coordenadora de programas vitoriosos como o Mãe Coruja, premiado na ONU, tem capacidade de gestão. Ela tem uma representação simbólica do projeto inaugurado por Eduardo para o Brasil.

    Ela poderia ser vice?
    Ela seria uma excelente vice-presidente. Precisa ver a vontade dela. Não será fácil. Vai ter que ser mãe e pai, de cinco filhos. Mas, independente de ela assumir um lugar formal na chapa, vai se engajar na campanha.

    Marina sempre deixou claro que o partido dela não era o PSB, era a Rede [ainda não criado]. E se for eleita, tudo bem se der tchau ao PSB?
    Nós reconhecemos que a Rede é um partido provisoriamente dentro do nosso.

    Vocês vão eleger uma presidente que não é de vocês?
    Na ditadura militar, os partidos comunistas estavam dentro do MDB, por exemplo.

    Mas isso é o "anti-sonho" de Campos, que queria construir um partido forte.
    E estamos construindo. Agora estamos só invertendo a cabeça da chapa. Ninguém está enganando ninguém, não há adultério aí [risos].

    Quem tem de ter mais medo neste momento, PT ou PSDB?
    Os mais afetados são aqueles que temem a mudança. Esta eleição está em aberto. Agora, muitos brasileiros tomaram conhecimento que existe uma alternativa.

    O sr. aceitaria ser vice?
    Quando, lá atrás, escolhi me retirar de um mandato, fiz por opção. Meu papel é de retaguarda e estou satisfeito.

    RAIO-X: Maurício Rands

    CARREIRA Coordenador do programa de governo do PSB e professor de direito da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Foi secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura de Recife (2001-2002) e deputado federal pelo PT-PE (2003 a 2012)

    FORMAÇÃO Direito pela UFPE, pós-graduações em Bari (Itália) e Oxford (Reino Unido)

    LIVROS PUBLICADOS "Labour Relations and the New Unionism in Contemporary Brazil" (ed. Palgrave Macmillan, EUA, 1999) e "A Era Lula" (ed. Bagaço, 2010)

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