A Polícia Federal e a Polícia Civil apuram a suspeita de possível fraude na venda do avião Cessna que caiu em Santos (SP) no último dia 13 com o candidato à Presidência Eduardo Campos (PSB).
O avião pertencia ao grupo A. F. Andrade, dono de usinas de açúcar, que está em recuperação judicial, e só poderia ser vendido com autorização da Justiça, o que não ocorreu, segundo os policiais.
O grupo, de Ribeirão Preto (SP), deve R$ 341 milhões.
Edson Silva - 29.mai.2014/Folhapress | ||
Eduardo Campos desembarca em Franca em maio após viajar no avião Cessna que caiu no último dia 13 |
O avião foi vendido a João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho e seria registrado em nome da BR Par Participações e Bandeirantes Pneus, segundo documento do grupo A. F. Andrade enviado à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e obtido pela Folha.
Mello Filho é usineiro e já recebeu multas do governo por não comunicar suspeitas de lavagem de dinheiro quando tinha uma financeira. O dono da Bandeirantes Pneus, Apolo Santana Vieira, é réu em ação penal por importação fraudulenta de pneus.
O comprador assumiu uma dívida de US$ 7 milhões (R$ 15,9 milhões) junto à Cessna, dona da aeronave. Uma das suspeitas é de que as empresas não teriam capacidade para pagar esse valor. Até o dia do acidente, quase três meses após a compra, a Cessna não havia aprovado o cadastro da Bandeirantes.
A compra foi intermediada por Aldo Guedes, presidente da empresa de gás do governo pernambucano e sócio do ex-governador Eduardo Campos em uma fazenda. Foi Guedes quem contratou os pilotos que morreram.
A DÚVIDA
Os policiais querem saber por que o comprador não passou a aeronave para o seu nome, como manda a lei. Nos registros da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), o Cessna continua em nome do grupo A. F. Andrade.
Uma das hipóteses dos policiais é que isso foi feito para burlar credores. Segundo essa hipótese, o grupo não fez a transferência para não repassar aos credores o que recebeu. A lei de recuperação judicial determina que todo valor arrecadado seja usado para pagar as dívidas.
A queda do avião sem a transferência para os atuais donos pode trazer problemas com o seguro. A apólice da Bradesco Seguros está em nome do grupo A. F. Andrade. O fato de o antigo dono ter omitido a venda do avião pode ser uma razão para o não pagamento do seguro.
Celso Vilardi, advogado do grupo A. F. Andrade, diz que não há fraude. Segundo ele, o grupo recebeu do comprador oito parcelas do "leasing" feito na Cessna, cujo valor ele não revela ("leasing" é um financiamento em que o cliente paga parcelas mensais e ao final fica com o avião). A quantia foi repassada à Cessna para saldar dívidas, de acordo com Vilardi.
O valor foi pago em 8 de maio. O grupo comprou o avião por US$ 8,5 milhões, a serem pagos em até dez anos.
OUTRO LADO
Advogados do grupo A. F. Andrade refutam com veemência a suspeita de fraude. Segundo o criminalista Celso Vilardi, o avião representava despesas, e não uma receita.
"A venda do avião é uma dívida a menos. O grupo não ficou com um tostão do avião, repassou tudo para a Cessna porque havia dívidas", diz.
Ricardo Tepedino, que defende o grupo na esfera cível, afirma que não há fraude porque a venda foi feita antes do pedido de recuperação.
O avião não estava em nome do novo dono, segundo o documento enviado à Anac, porque a Cessna analisava a capacidade financeira das empresas BR Par Participações e Bandeirantes Pneus.
A Bandeirantes disse em nota que tinha interesse no avião, mas a Cessna não aprovou o cadastro da empresa até o dia do acidente.
A Folha não conseguiu localizar a BR Par Participações. A reportagem também não encontrou Aldo Guedes e João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho.
ACIDENTE
O candidato do PSB à Presidência da República, Eduardo Henrique Accioly Campos, 49, morreu no dia 13 de agosto em acidente aéreo em Santos, litoral paulista, onde cumpriria agenda de campanha. O jato Cessna 560 XL, prefixo PR-AFA, partira do Rio e caiu em área residencial. A Aeronáutica investiga a queda.
Dois pilotos e quatro assessores também morreram, e sete pessoas em solo ficaram feridas. Os restos mortais removidos do local do acidente foram para a unidade do IML (Instituto Médico Legal) em São Paulo. Na noite de sábado (16), o corpo de Campos chegou ao Recife. Os filhos dele carregaram o caixão usando camisetas com a frase "Não vamos desistir do Brasil", dita pelo candidato na TV.
Cerca de 130 mil pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar, acompanharam no domingo (17) o cortejo com o corpo de Eduardo Campos no Recife, após o velório no Palácio do Campos das Princesas. O ex-governador foi enterrado sob gritos de "Eduardo, guerreiro do povo brasileiro", aplausos e fogos de artifício. No velório, Dilma Rousseff (PT) e o ex-presidente Lula receberam vaias da multidão, depois abafadas por aplausos. O senador mineiro Aécio Neves (PSDB) também participou da cerimônia.
Marina Silva ficou ao lado de Renata Campos, viúva do candidato, durante o velório e o enterro. No cemitério, a ex-senadora foi seguida por pessoas que gritavam seu nome e tentavam tocá-la. Os corpos das outras vítimas do acidente foram enterrados em Recife, Aracaju, Maringá (PR) e Governador Valadares (MG).
Governador de Pernambuco por dois mandatos, ministro na gestão Lula, presidente do PSB e ex-deputado federal, Campos estava em terceiro lugar na corrida ao Planalto, com 8% no Datafolha. Conciliador, era considerado um expoente da nova geração da política.
Campos morreu num 13 de agosto, mesmo dia da morte do avô, o também ex-governador Miguel Arraes (1916-2005). Campos deixa mulher, Renata Campos, e cinco filhos, o mais novo nascido em janeiro. "Não estava no script", disse Renata.
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