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    Papéis citam ação de cartel dos trens antes e depois de licitações

    FLÁVIO FERREIRA
    MARIO CESAR CARVALHO
    DE SÃO PAULO

    12/10/2014 02h00

    As empresas do cartel de trens que atuou em São Paulo entre 1998 e 2008 –em governos do PSDB no Estado– estenderam suas ações fraudulentas a todas as fases de licitações e contratos públicos, segundo documentos obtidos por autoridades federais.

    Os papéis inéditos aos quais a Folha teve acesso indicam a atuação das companhias antes mesmo de um projeto ser definido pelo poder público e inclusive depois de um contrato já ter sido assinado.

    As investigações iniciais do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) apontavam um conluio de empresas para combinar preços na fase de concorrência.

    Mas as apreensões efetuadas pelo órgão em julho de 2013 indicam que as fraudes não se limitaram a essa etapa.

    Um e-mail achado na empresa MGE fala de ações para influenciar, com a ajuda de um servidor, a escolha de projetos ainda preliminares na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

    editoria de arte/Folhapress

    Segundo a mensagem, Henry Munhoz, atual gerente de Engenharia de Manutenção e então assistente técnico da CPTM, passou à MGE dados confidenciais sobre os planos da estatal e comprometeu-se a ajudar a empresa.

    No e-mail de outubro de 2001, Carlos Eduardo Teixeira, diretor da MGE, relatou: "obtivemos os projetos que irão ser discutidos internamente na CPTM para os próximos anos. Deveremos analisá-los e definir quais [são] de nosso interesse. Estas informações que obtivemos são de caráter confidencial".

    "Assim que escolhermos quais projetos nos interessam, combinei com Henry começarmos a trabalhar para viabilizá-los internamente com a ajuda dele", escreveu.

    Segundo o Cade, os papéis indicam que a MGE atuou no cartel na condição de subcontratada da empresa Siemens, em licitações em 2002 e 2007.

    sem fim

    As ações das empresas não paravam depois do fim das concorrências públicas, indicam os papéis apreendidos.

    Uma carta de previsão de custos achada na empresa CAF aponta uma negociação com a CPTM para maquiar um orçamento de fornecimento de peças de um contrato em andamento –após licitação de 2001/2002 vencida pelo consórcio CAF/Alstom.

    O texto aponta que a empresa fez uma estimativa de itens vandalizáveis de R$ 15 mil por mês, mas que a quantidade real era de R$ 10 mil.

    Segundo esse documento, foi incluído um valor "artificial" de R$ 5 mil a mais por mês "a pedido da CPTM para a compra de peças de trens diferentes" daqueles da CAF.

    As companhias do cartel também tinham meios para influenciar as regras dos editais, segundo os documentos.

    Mensagem descoberta na CAF afirma que Arthur Teixeira, lobista do cartel de trens, acertou com representantes da CPTM as condições do edital do projeto Boa Viagem (para recuperar e modernizar trens) lançado em 2004.

    O e-mail escrito pelo diretor da CAF Agenor Marinho em maio de 2005 diz que a empresa deveria negociar com Teixeira se quisesse participar da concorrência.

    Ele indica que a empresa tinha dúvidas se seria um bom negócio entrar na licitação. A companhia acabou não participando da disputa.

    Em licitações para manutenção de trens das séries 2000, 2100 e 3000 da CPTM, as empresas do cartel chegaram a assinar uma espécie de contrato com as atribuições de cada uma. O Cade diz se tratar de conluio entre Alstom, Bombardier, CAF e Siemens.

    OUTRO LADO

    Empresas citadas nos documentos e e-mails apreendidos negam irregularidades.

    A CPTM disse desconhecer "conteúdo e contexto dos documentos" e os "projetos futuros" citados em e-mail apreendido na empresa MGE.

    O servidor Henry Munhoz afirmou que na época estava em área da estatal que não tinha responsabilidade sobre projetos –e que, na ocasião, não havia informações confidenciais sobre esse tema.

    Disse ainda que a MGE "não participou de nenhuma licitação de grande porte porque não possuía qualificação".

    Sobre a elevação "artificial" de itens vandalizáveis de trens em outro contrato, a CPTM afirmou que esse tipo de pagamento "só é realizado mediante a efetiva substituição da peça e correspondente prestação de serviço".

    A estatal disse que a CAF não participou das licitações do projeto Boa Viagem.

    Eduardo Carnelós, advogado de Arthur Teixeira, negou que ele tenha preparado editais de licitações e que tenha sido contratado pela CAF como consultor no projeto.

    A Alstom disse que "repudia conclusões de irregularidades em investigações ainda em andamento". A Siemens afirmou que adota postura rigorosa contra condutas ilegais. A Bombardier disse desconhecer a origem de documento em que é citada, que não reconhece seu conteúdo e adota padrões éticos.

    A CAF e o grupo Caterpillar, do qual a MGE faz parte, não se manifestaram.

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